domingo, 8 de dezembro de 2013

Da banalidade ao devaneio.

No meio de uma conversa com um conhecido, comecei a falar dos meus dois melhores amigos.

“Uma combinação engraçada, vocês três.”, ele disse. “Uma lésbica, um gay e uma heterossexual.”

“Por que somos engraçados?”, perguntei já imaginando o que estava por vir.

“A lésbica não dá em cima de você, não? E o gay escolhe suas roupas quando vocês vão sair?”, ele comentou num tom de deboche.

E eu poderia ter dito várias coisas, poderia ter brigado com ele, mas eu sabia que a culpa por esse comentário ridículo não era só dele. Era de toda uma construção histórica e social, formada por preconceitos idiotas. E, apesar de ser heterossexual, esse comentário me atingiu profundamente. Porque eu amo meus amigos do jeito que eles são, sem tirar nem pôr.

Eu não queria ter que explicar, mais uma vez, pela milésima vez, que só porque eu tenho uma amiga lésbica, ela vai se apaixonar por mim. E que só porque um amigo meu é gay, ele vai escolher minhas roupas (apesar que às vezes eles tem um gosto muito melhor para roupas).

Explicar que são seres humanos também, e não aliens, que eles pagam contas como qualquer outra pessoa, que eles nasceram como são. Que entender isso é tão simples quanto entender e aceitar que há pessoas no mundo que amam ler e outras não. Ou que há pessoas que odeiam vegetais desde crianças. Entender é simples, mas as pessoas não querem deixar de lado os preconceitos, para ter uma chance de conhecer as pessoas como elas são, e se permitir de ter ótimas amizades.

Ora, se eu sou mulher e tenho amigos homens, os vejo falar sobre mulheres, então qual o problema de uma amiga falar sobre mulheres também? E qual o problema em ter um amigo falando sobre outros caras, se eu também falo sobre outros caras? Se dizem que é possível haver amizade entre sexos diferentes, teoria da qual também sou adepta, por que não pode haver amizade entre opções sexuais diferentes?

Para quê tanto ódio e preconceito, quando eu posso estar com pessoas que me aceitam, em todas as minhas estranhices, com todos os meus defeitos, neuroses e loucuras? Amigo é amigo, não importa cor, raça, sexo, opção sexual, nacionalidade ou espécie. Ou eu seria melhor do que eles só porque a minha opção sexual é a que segue os padrões estabelecidos na Bíblia, enquanto é esta mesma Bíblia que diz para amarmos ao próximo como amamos a nós mesmos?

Se a opção sexual de alguém for um defeito, aos olhos dos outros, somos todos defeituosos.

“Nós respeitamos as nossas escolhas.”, respondi secamente. “Porque é disso que uma amizade é feita. Respeito, acima de tudo, apesar das brincadeiras. E às vezes meu amigo gay escolhe minhas roupas... Não é culpa minha se ele tem mais senso de estilo do que muita gente por aí.”

E, parando para pensar, somos mesmo uma combinação engraçada. Mas somos a melhor combinação que eu poderia ter. É a melhor combinação para mim... É a melhor para curar minhas dores, exorcizar meu demônios e afastar todos os meus medos. E, se isso não for uma amizade, eu não sei mais o que é. E também prefiro ficar com as pessoas que me fazem bem, com a “combinação engraçada”. Porque opção sexual nunca, sob hipótese alguma, deveria ser parâmetro para medir o caráter de uma pessoa, nem quanto amor ela é capaz de te oferecer.

Estamos muito presos a essa história de “dever-ser”, estamos nos deixando levar pelos nossos preconceitos, e não estamos indo a lugar algum... Porque só acredito que estaremos progredindo quando eu vir os ensinamentos de John Lennon sendo colocados em prática, quando negros pararem de ser chamados de “macacos”, “neguinhos” e coisas do tipo... Quando uma pessoa que vive com outra do mesmo sexo puder adotar uma criança e dar o amor que toda criança merece, ao invés de vê-las nas ruas ou em orfanatos, mal cuidadas, mal amadas e abandonadas no mundo, como se tivessem sido esquecidas por Deus.

Quando eu puder ir ao casamento da minha melhor amiga e puder chorar litros durante a cerimônia. Que criem uma nova religião, se preciso for! Que criem um novo país, onde pessoas sem preconceitos e sem frescurites possam morar juntas, e viverem o tão sonhado "Felizes para sempre". Só assim eu direi que estamos evoluindo e nos tornando pessoas melhores, abandonando nossos preconceitos.


Foi assim que um simples diálogo na fila do pão se tornou numa média e patética reflexão sobre algo que todos já sabemos, mas ninguém quer admitir. Ou quer perceber que é assim que as coisas deveriam ser.




                                                                                                                 - a.s.