sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Maria Antonieta

Seu nome é Maria Antonieta e, talvez devido à origem de seu nome, tendo o herdado de uma Rainha tão polêmica, teria de fazer justiça ao seu nome, escolhido minuciosamente por seus pais, fãs da Rainha da França. Não poderia ser diferente; nossa Maria Antonieta também é polêmica. Teria tudo para não o ser, mas algumas pessoas simplesmente conseguem atrair a atenção alheia para si, seja esta atenção direcionada para o bem, seja para o mal. Numa visão realista-pessimista, normalmente esse tipo de atenção provém de olhos maliciosos cujos donos tem bocas que vomitam comentários excessivamente maldosos. Pessoas que pisam na "moral cristã", a qual dizem valorizar acima de qualquer coisa. "O importante é ter Fé em Deus", diz a mesma pessoa que contradiz suas palavras e atitudes.

"Suas ideias não correspondem aos fatos", Cazuza, o mestre, onde quer que esteja, deve se manter num estado de regozijo, uma certa espécie de satisfação um tanto decepcionada, como quem diz "Eu avisei", mas que na verdade, não queria que dito fato acontecesse. Voltando a Maria Antonieta, o que ela tem para causar tanta polêmica? Bem, duas coisas. Na verdade, uma coisa ela tem, e a outra coisa, ela não tem: sucesso e um marido, respectivamente. Maria Antonieta foi educada de modo a entender que o único homem de quem ela deveria depender era seu pai, e só até que ela atingisse sua independência financeira.

Sempre que surgia uma oportunidade, os pais e familiares de Maria Antonieta explicavam que ela precisava estudar e trabalhar, para ter seu próprio dinheiro "e não precisar depender de homem algum". E foi isso o que Maria Antonieta fez: decidiu quais eram suas prioridades, o que queria ser, e se esforçou. Estudou e trabalhou. Sucesso! Enfim, o sucesso! Maria Antonieta é o que muitas mulheres aspiram ser, e quem muitos pais de mulheres sonham que elas sejam. É uma mulher forte, bem sucedida, segura de si, inteligente, independente e dona de outros milhões de adjetivos lisonjeiros. Maria Antonieta tem "Musa Inspiradora" como apelido. Todas querem ser como ela... Até que surge um problema: a falta de marido.

E por que a falta de um marido seria um problema tão grande? Não se sabe ao certo. Alguns podem dizer que é da natureza humana, é essa necessidade infindável de romance, como se romance fosse tão necessário para a vida humana quanto oxigênio. Faz parte de quem somos. Afinal de contas, ninguém vive sem amor. Isso significa que depois de atingir o sucesso tão almejado, ela deveria ir atrás de alguém com quem formar uma família, ter filhos, e viver como se estivesse num filme Hollywoodiano. Mas Maria Antonieta não quer.

O que Maria Antonieta quer é sair para tomar um vinho com as amigas na quinta à noite e chegar em casa a hora que quiser, sem precisar dar satisfação a ninguém, sem precisar dizer a que horas pretende voltar para casa. Quer sair com qualquer pessoa que seja alvo de seu interesse, sem amarras, sem compromissos ou obrigações. Maria Antonieta quer poder desligar o telefone no fim de semana, se afastar do whatsapp e curtir sua própria companhia. Quer ficar em casa, de pijama o dia todo, com um coque bagunçado, de óculos de grau e cara lisa, sem maquiagem, jogada na cama assistindo seus filmes preferidos, com seus cachorros, Blue e Delta.

Maria Antonieta quer paz.

E Maria Antonieta nunca considerou construir uma família uma de suas prioridades. Se tiver de acontecer, cedo ou tarde acontecerá, e ela nem precisaria se esforçar para fazer esse tipo de coisa acontecer. Apesar de ter este pensamento, com o passar dos anos, mais e mais comentários surgem: Maria Antonieta é rotulada por aqueles que buscam uma explicação para o estado civil dela. Passa a ser vista como uma coitadinha que ninguém quer: "Coitada da Maria Antonieta, 35 anos de idade e ainda não arrumou ninguém!", invertem os papéis, e Maria Antonieta deixa de ser dona de seu próprio nariz, mulher de vontade própria para ser rejeitada pela sociedade masculina. Passam a assumir que não está feliz porque está solteira.

Alguns acreditam que ela não é bonita o suficiente, ou quem sabe, ela está solteira porque está acima do peso... Até porque "homem não gosta de mulher gorda". Ou talvez, já que ela é tão bem sucedida, ela não arruma ninguém porque é workaholic, viciada em trabalho. Talvez tenha estudado demais e ficou "biruta", ou talvez tenha algum transtorno bipolar, algum quadro de depressão, ou até mesmo sofra de algum tipo de esquizofrenia leve. Pior: talvez ela até seja normal, mas por ter uma personalidade forte, seja crítica demais, inteligente demais, "revoltada da vida" seria um termo a ser usado, não? Maria Antonieta não está casada porque "homem não gosta de mulher inteligente, gosta de mulher gostosa". As possibilidades são inúmeras, dos mais variados tipos de tabus. Até que surge uma ideia brilhante: a vontade do homem não é absoluta, não é o homem que vai mandar em Maria Antonieta e decidir seu futuro civil porque pasmem: Maria Antonieta é lésbica! Quem diria, não é mesmo? Ninguém esperava que Maria Antonieta fosse lésbica! Um absurdo, um desperdício... Por isso ela passou esse tempo todo solteira... Tá na hora de sair do armário, Maria Antonieta!

O que as pessoas ignoram, seja por Maria Antonieta ser uma pessoa discreta e não sair por aí falando sobre sua vida pessoal, seja por maldade, ou qualquer outra razão que queiram encontrar, é que ela nunca vai sair do armário, porque ela não precisa. Isso mesmo, para a surpresa das pessoas, Maria Antonieta é heterossexual. Ou heteronormativa, como queiram chamar. Apesar de não ser tão normativa assim, já que o normal seria estar casada, em seus plenos 35 anos de idade.  Mas e se Maria Antonieta não fosse heterossexual, se ela fosse lésbica, qual seria o problema, se sua vida sexual só interessa a ela e as pessoas com quem ela se interessa por se relacionar? E se ela gosta de sair com vários homens, se prefere não se apegar, "deixar suas possibilidades abertas", como gosta de dizer às suas amigas?

Ela é segura de si, sabe o que quer e o que não quer. Para Maria Antonieta, não há fronteiras nem limites. E por que haveria de ter? Por que ela não pode se sentir bem consigo mesma e com suas escolhas de vida? Quem foi que decretou que a felicidade só é encontrada por aqueles que estão em um relacionamento?  Ora, Maria Antonieta cresceu ouvindo que, antes de mais nada, ela deveria saber amar a si mesma... Seus ídolos dizem isso, campanhas publicitárias dizem isso o tempo todo... A sociedade constrói o pensamento de que devemos amar a nós mesmos. O amor próprio é lindo.

Mas ao mesmo tempo que ela ouvia que deveria se amar, que toda mulher é linda, não importa cor do cabelo, da pele, do olho, ou o formato do seu rosto ou corpo, encontrava revistas cujas capas trazem dizeres do tipo "Perca 8kg em um mês!", com suas dietas milagrosas à base de suco de limão, e outras milacrias detox. "Lipo sem dor", e qual o cirurgião plástico que está em alta nessa estação, para deixar seu corpo novinho em folha... Cassandra!

O avanço perde para o retrocesso. A resposta ao amor próprio é uma resposta de ódio. Quando se vê alguém que se ama, a reação é querer diminuir, até mesmo destruir a autoimagem com discursos de ódio, boatos e comentários maldosos. É confuso todo o esforço para criar mulheres como Maria Antonieta só com a finalidade de desconstruir tudo o que foi solidificado dentro do universo que é cada pessoa. A sociedade dá com uma mão, e tira com a outra.

No final das contas, a sociedade, de uma forma geral, nada mais é do que aquela criança que tira a mãe do sério e perturba as pessoas ao redor no supermercado, chorando porque quer tudo, mas que não se satisfaz com nada.

Coitada da Maria Antonieta, que vê as muralhas de seu amor próprio bombardeadas pelo ódio alheio. Tóxico.

Permaneça sempre forte, Maria Antonieta!