Ao Homem que Matou Dom Quixote.
Quase
30 anos para ficar pronto e, no início eu não sabia se estava
gostando de você. Eu realmente estava em dúvida porque, acostumada
a ver Adam Driver em outros tipos de papel, inicialmente não
consegui entender o porquê de um homem que simplesmente “tinha
tudo” estava em crise. Mas isso foi rápido, só até a parte da
artista (se é que assim posso chamar) dentro de mim se encher de
empatia pelo artista frustrado com seu bloqueio criativo. Toby é só
mais um rapaz perdido que se vendeu à indústria cinematográfica e
deixou de lado o que ele mais amava fazer, não? Toby é ganancioso,
arrogante e egoísta mas também é um artista em crise. Isso mesmo,
a parte do “artista em crise” foi o que me “desarmou”.
É o
lado desse artista, curioso por reencontrar sua essência, que faz
com que Toby acabe reencontrando amigos do passado. Alguns deles, na
verdade, são mais como fantasmas. O lugar de Sancho Pança está
vago mas Dom Quixote está por aí. Dulcineia também. No momento em
que Toby descobre que esses velhos amigos estão em algum lugar, eu
já estava curiosa para saber mais. Eu já queria mais.
Ao abrir as portas do
restaurante de Raul, Toby abre, também, as portas para uma viagem ao
seu passado, que acaba se mesclando com o presente, numa sinfonia que
une delírio e verdade, como aquelas canções cantadas pelos bardos.
Em
certo momento passei a questionar o que era realidade e o que era
sonho, o que me fez lembrar de “O Mundo Imaginário do Dr.
Parnassus”. Eventualmente descobri que vocês dois foram dirigidos
pelo Terry Gilliam, o que acabou me explicando o porquê da
semelhança. Esse seu clima que faz o mundo real dialogar com o
imaginário, com o sonhar, me deixou encantada, porque me fez sentir!
Me fez sentir parte do filme, me fez sentir carinho por esse bravo
cavaleiro que é Dom Quixote, ESTE HOMEM INCRÍVEL que, ao mesmo
tempo em que é um tanto
assustador é, ao mesmo tempo, fascinante. Só
a imagem de Dom Quixote já nos faz querer viver uma aventura com ele
e Jonathan Pryce, como já era de se esperar, faz isso de uma forma
bela!
Há
muito mais de você para além do que vemos na telona. É possível
refletir para muito além de apenas um antigo sapateiro que ficou
meio biruta e acreditou ser o próprio Dom Quixote.
A
trajetória de Toby, ou melhor de Sancho, no faz refletir sobre como
o tempo influencia tudo, como o tempo é uma força natural da qual
ninguém escapa. Me fez pensar em quem passa por nossa vida e amamos,
quase amamos, não conseguimos amar e acabamos por esquecer. Me faz
pensar na possibilidade do que é um reencontro. Me faz pensar,
também, que o tempo não só age nas outras pessoas mas, também, em
nós mesmos, e em como devemos aproveitar a vida pra crescermos. Como
podemos aproveitar nossas lições para nos tornarmos maiores.
O
quanto podemos crescer ou extrair bons frutos de uma situação na
qual não gostaríamos de estar metidos, além de esta situação ser
simplesmente absurda?
Toby me fez rir quando não conseguia conceber o que estava
acontecendo ali, ou quando estava estressado, xingando, querendo
voltar para sua vida antiga e não estar preso numa aventura na qual
caiu de pára quedas por causa de um velho maluco e um cigano com
aparições aleatórias. Mas esse fiel escudeiro Sancho também me
fez me encher de carinho quando observei seu crescimento.
Você
foi um filme que permitiu um casamento de sucesso entre o visual e a
trilha sonora que, por vezes, era tão sutil, que nem percebíamos
que estava lá mas, em outros momentos, era tão gritante e
imponente, que parecia dominar a sala do cinema. Você foi um filme
que me permitiu pensar e sentir e me fez acreditar que todos temos um
cavaleiro meio maluco porém fascinante dentro de cada um de nós,
capazes de cumprir qualquer grande feito que queiramos. Dom Quixote
talvez seja um estado de espírito. Por vezes você foi meio confuso,
mas quem não ficaria, tendo que contar a história delirante deste
cavaleiro? Acho que talvez até esta carta esteja meio confusa… Mas
saiba que você foi ótimo. E saiba que você me emocionou,
principalmente quando li as seguintes palavras: “In loving memory
of: John Hurt.”. Ele estaria orgulhoso.
Você
foi lindo!
Até a próxima, já que certamente nos veremos de novo...
Até a próxima, já que certamente nos veremos de novo...
(não
me surpreende ter sido aplaudido de pé por vários minutos no
festival de Cannes ano passado. Eu mesma teria feito isso!)