sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O menino das jujubas

Um dia normal, numa livraria comum... A livraria que visito quase toda semana, sempre que posso, nem que seja só para olhar quais os novos títulos, que provavelmente irei demorar a comprar, por causa dos vários outros livros que já tenho em casa, e ainda não consegui tempo para ler. Este é o carma de um amante de livros: ter vários deles para ler, e tão pouco tempo livre... Outra coisa que costumamos fazer é isso de estabelecer uma regra mental, uma proibição de comprar livros até que os que estão em nossas prateleiras sejam lidos.

“Você não vai mais comprar nenhum livro até que já tenha lido os outros.”, costumo dizer para mim mesma, em alguns dos meus vários diálogos mentais. Mas algo que nunca passou por minha cabeça foi: mas e quem não tem tanto dinheiro assim para comprar livros, e mesmo assim ama ler? Aliás, não é algo que nunca tenha passado por minha cabeça, mas é algo em que não costumo pensar muito.

Pois bem. Deixando meus pequenos devaneios de lado, volto à minha livraria comum. Estou passeando por entre os livros, vendo quais edições irei adquirir no futuro, ou irei ganhar de presente de aniversário dos amigos, quando uma cena chama a minha atenção: um menino de uns 13 ou 14 anos segurando uma revista em quadrinhos, perguntando ao vendedor quanto custava aquela edição. Ele era visivelmente humilde, usava chinelos bem gastos e roupas que eram grandes demais para ele. Além disso, carregava consigo dois sacos plásticos, contendo Deus lá sabe o quê. Segurava os sacos e a revista em quadrinhos.

Então, uma senhora loira, muito bem vestida e bonita, e aparentando ter muito menos idade do que provavelmente tinha, uma “coroa enxuta”, popularmente falando, pede licença e pergunta a respeito de um livro qualquer, que estava em falta. É aí que a história fica interessante: ela começa a conversar com o menino usando um tom amável... Algo que não pude ouvir. Porém, tratei de me aproximar, por pura curiosidade, para ver o desenrolar dos fatos.

“A curiosidade matou o gato”, não é? Talvez ele não tenha sido discreto o suficiente... Encontrei esconderijo por trás de uma mesa expondo histórias em quadrinhos, de onde eu podia ver o que aconteceria a seguir sem chamar muita atenção.
“Para a senhora”, o garoto diz, erguendo um pacotinho de jujubas.
“Obrigada”, a senhora ri educadamente, “mas não como doces.”
“Sem problema, você pode dar a seu marido.”, o garoto disse, ainda com o pacotinho entre os dois. “Eu vendo essas jujubas, e essa foi a que sobrou...”

A mulher pegou não só o pacotinho de jujubas, mas também retirou gentilmente a revista em quadrinhos das mãos do garoto, e disse:
“Posso te dar uma coisa?”, vendo que o garoto ficara sem jeito, ela repetiu, com maior ênfase: “Posso te dar uma coisa? Eu quero te dar essa revista em quadrinhos.”, os olhos do menino brilhavam de felicidade. “Você gosta de ler?”, ela perguntou, mas não obteve resposta alguma, além de um aceno positivo de cabeça.
“Você gosta mesmo de ler?”, ela quis confirmar o que ela já tinha certeza. Mais uma vez, o garoto assentiu. “Então me deixe te dar isso de presente.”, ela pediu, mas usando um tom autoritário. Um "Não aceitarei recusas" estava presente nas entrelinhas desta autoridade amável.

Me afastei, e segui com meu caminho por entre as histórias de Stephen King e Alexandre Dumas, na sessão de “Literatura estrangeira”.

Ora, o garoto não iria recusar... Eu não recusaria...! Talvez ele estivesse vendendo o pacotinho de jujubas justamente para comprar a fatídica história em quadrinhos. Ou, talvez, tenha passado um bom tempo juntando dinheiro para comprá-la, quem sabe? Só ele sabe. Um preço que, para muitos parece pequeno, coisa ínfima, que gastamos com um ingresso no cinema, ou até menos... Mas que, para aquele garoto em questão, custava o preço de muito esforço e oferecia o mundo... Era com o preço daquela HQ, que ele entraria num mundo novo, um mundo cuja porta é aberta assim que abrimos o livro. Um mundo desprezado por muitos... O mundo das palavras.

Aquela cena me deu esperança... Esperança de que todas as pessoas que não tenham condições de comprar livros com tanta facilidade possam encontrar pessoas assim. Pessoas que valorizam não só a leitura que elas próprias fazem, mas também, a leitura que outras pessoas podem fazer, e as experiências que as pessoas vão ter por meio da leitura, pessoas que podem proporcionar a outras o prazer da leitura. Não importa se era uma HQ ou um livro de 600 páginas, o que importa é o interesse em ler, e o que aquele garoto estava disposto a sacrificar para conseguir fazê-lo. Foi isso o que me comoveu e me deu esperança. Esperança e gratidão por ter presenciado uma cena dessas. Esperança de fazer isso por alguém um dia.

De certo modo, foi como ver uma cena de “A menina que roubava livros” na vida real. E me senti orgulhosa e feliz por isso. E, a partir de agora, sempre que pensar num exemplo de generosidade, é na senhora e no garoto em quem pensarei. Nas duas pessoas cujos nomes não sei até agora, nem me esforcei para descobrir, os dois que me ensinaram uma lição, a lição de abrir mais o coração para a generosidade. Porque a mente precisa de livros e histórias para manter-se viva, assim como o corpo precisa de oxigênio.


Quando estava saindo da livraria, dei uma rápida olhadela para o caixa, e lá estavam a senhora, o marido e o garoto, conversando sobre algo que eu já não podia mais ouvir. Em seu rosto, ela mantinha um sorriso terno, algo parecido com orgulho por encontrar alguém que ame tanto a leitura que estava disposto a sacrificar o pouco dinheiro que ganhara com muito suor, só para poder ler. E o garoto? Ah, o garoto tinha um sorriso radiante nos lábios, não sei se por felicidade de poder guardar seu dinheiro para outra coisa, talvez ajudar sua família, ou só pela felicidade pura que nos atinge quando finalmente conseguimos algo que desejamos muito, ou pelas portas que irão ser abertas para ele quando ele sentar para ler a história. Na verdade, acredito que seja uma mistura de todos esses fatores. 

Nunca a felicidade de alguém havia me deixado tão feliz como a daquele garoto.

Deixei a livraria com os olhos levemente marejados, um sorriso no rosto, um pouco mais de fé na generosidade humana, e o coração aquecido pela cena que tanto me tocara. 

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Trapaça

Não sei exatamente se a promessa de um bom filme foi deixada pelo trailer, ou pelo seu elenco. Acho que, no final das contas, foi um pouco dos dois. Bem, isso e talvez o fato de eu ter gostado de “O Lado Bom da Vida”. Entrei no cinema com grandes expectativas e deixei o cinema com uma sensação que pode ser bem explicada pela frase “Eu teria feito diferente”.

É bem verdade que “Trapaça” não é de todo ruim... Apesar do roteiro inicialmente confuso, tudo acaba por ser devidamente explicado. No entanto, toda essa confusão o torna cansativo, e faz com que o espectador queira que o filme acabe logo, restando a impressão de que este não é um filme bom o suficiente para ser assistido novamente. Apesar disso, seria uma boa ideia assisti-lo mais uma vez, principalmente aqueles que não entenderam a história da primeira vez.

Ainda, no que se refere aos bons pontos do filme, o figurino deve ser destacado, principalmente o de Amy Adams que, além de linda, usou roupas e sapatos de causar inveja a qualquer uma!

E as piadas? Bem, foram piadas engraçadas, e acho que esse é o objetivo de uma piada. O sonho de toda piada é ser engraçada.

Além de tudo isso, temos o elenco. Um elenco maravilhoso e atuações épicas. Não me surpreende que foram indicados ao Oscar. Vamos colocar Jennifer Lawrence, Amy Adams, Christian Bale, Bradley Cooper e Jeremy Renner juntos, e adicionamos uma dose de Robert DeNiro, e o que poderia dar errado? Bem, o roteiro. Podemos ver Jen Lawrence completamente louca e alcoolatra nas cenas mais engraçadas do filme, e atores como Bale e Renner com personagens cujas características são opostas a Batman e Hawkeye. E eles incorporam esses personagens incrivelmente bem, deixando de lado o estigma de seus personagens mais famosos. 


A verdade é que são bons personagens, com características e personalidades marcantes, que poderiam fazer a telona explodir, interpretados por ótimos atores.  E são esses atores os responsáveis por carregar o filme nas costas. O filme deixa um pouco de ser cansativo porque, como esperado, ver esses atores em ação acaba por se tornar um grande prazer.

Por fim, se me perguntassem sobre “Trapaça”, eu responderia: “Tem tudo para ser um filme digno de Oscar de Melhor Filme, uma verdadeira obra-prima. Mas acho que David O. Russell acabou se perdendo no roteiro, e tornou a experiência do filme exaustiva. Não é um filme que eu indicaria, apesar de todas as coisas boas presentes nele. Apesar do plot twist no final do filme, e da fotografia que me deu a impressão de ser filha de um casamento Coppola-Scorcese.”


E eu não poderia, também, deixar de mencionar que aqueles que vão assistir o filme esperando que o senso de justiça seja massageado, poderá ser... bem, trapaceado.