terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Van Gogh e eu

É muito mais do que apenas arte. Vai muito além da própria arte, do simples "oil in canvas", ou daquele desenho desleixado, feito num papel qualquer com carvão, do momento ali registrado... É tão mais do que isso! Vai além da mórbida coincidência do tiro no peito que veio a matá-lo depois de dois dias agonizando e sofrendo, tenha sido no mesmo dia que é o meu aniversário.


É um conjunto de coisas, toda uma complexidade de pequenos detalhes e lembranças... Como o dia pela primeira vez que vi a "Noite Estrelada", quando tinha apenas oito anos, num dos livros da escola, a imagem que carrego comigo até hoje, cujos tons de azul, laranja e amarelo me fascinaram logo da primeira vez. Ou como quando o professor de artes nos mandou reproduzir o quadro dos girassóis e fiquei frustradíssima porque não consegui uma reprodução à altura... Mas como poderia? Eu tinha 12 anos e nenhum talento artístico. Depois de muitos anos, descobri que nasci para apreciar e não para criar.


Então é todo esse universo de coisas, de como um ser excêntrico consegue transformar seus humores, bons ou ruins, em arte, usando um jogo de cores que pode causar arrepios de excitação, ou uma tristeza tão calma e inerte que chega a beirar a paz de espírito. Ou o modo controverso como duas personalidades se completariam se tivessem a oportunidade de se encontrarem. Mais uma vez, a paz de espírito.

É uma mudança brusca de humor, daquele tipo que pode mudar tudo em segundos. Daquele tipo que fazem os projetos andarem, ou permanecerem onde estão. Talvez até que estes projetos acabem extintos.

Vai além de um simples jarro com alguns girassóis, que representam a vida e a morte, tanto quanto uma caveira com um cigarro na boca... É o lembrete de mudança, de nunca permanecer o mesmo, e que seja adepto e sujeito a mudar de acordo com o ambiente às vezes, mas que se esteja sempre preso a um porto seguro, que se tenha algo em que acreditar, e que deve-se permanecer fiel a si mesmo. Que devemos nos agarrar a algo que seja um guia, para que não nos percamos em nosso caminho.

E também tem essa fascinação pela noite, que chega a causar um efeito de quase aversão à luz do dia... É querer permanecer na noite, cujas sombras carregam um brilho único por causa da luz das estrelas.

Além de tudo, ou talvez, é acima de tudo, sofrimento. "Sorrow", em sua mais pura forma, de quando se tem um grito preso dentro de si, e aquele no na garganta, que se transformam num quase choro, mas que acabam em nada, como uma pequena chama no escuro, que acaba se rendendo, e se apaga. Quando tudo é silêncio. É o sofrimento em forma de silêncio, que é tão profundo, que machuca e dói tanto na alma, que acaba por doer no corpo. A automutilação. Metade de uma orelha sendo cortada, ou pequenos arranhões... Talvez cortes.

É, também, mostrar o seu próprio modo de enxergar o mundo, de uma forma única que jamais foi reproduzida por outra pessoa. 

É transformar algo mundano, algo tão cotidiano quanto um bar em arte. É transformar a calmaria de um campo de trigo cheio de corvos em beleza.

É sua personalidade se eternizando por meio de suas pinturas e desenhos, fazendo com que você viaje no tempo e se faça presente quase que em carne e osso junto com suas obras,

Não é só um bar, um café em Arles;
Não é uma família qualquer comendo batatas;
Nem só uma noite cheia de estrelas;
Ou um jarro com alguns girassóis;
Ou a imagem de uma caveira fumando...

É azul, amarelo e laranja.
É sua humanidade transmutada em arte.
É um ser humano, 
É "ser" humano acima de tudo.
E é ir além de seu tempo, de uma forma tal qual não se conseguia entendê-lo.
É ir além de nós,
Ir além do simples "eu" e "você".
É ir além da arte...
Vai além da arte... É muito mais complexo do que isso, mas também é muito mais simples.

É a humanidade, nua e crua.
E é paz de espírito.
Nada mais.