quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Uma história sobre beleza e atração

(Estava muito quente lá fora)

Acordou com o calor da tarde, tendo o suor em seu pescoço como sua primeira experiência consciente, enquanto abria os olhos para observar o que acreditava ser um dos mais belos fins de tarde que já viu. Um pôr do sol quase cinematográfico, tão perfeito que poderia estar em um sonho. De repente, percebeu que tudo estava maior. As dimensões de seu quarto tomaram medidas gigantescas. Imenso. Monstruosamente grande. Mas não estava desesperada.

(Estava anestesiada, imcapaz de sentir, como às vezes acontece em certos sonhos)

A cama e a televisão estão maiores, assim como os lençóis e travesseiros. Meio bêbada, se perguntou como estava ali: "As coisas ficaram grandes, ou eu que fiquei menor? Eu diminuí? Ou os dois?", mas a busca pela causa não recebe atenção por muito tempo, e acaba dando lugar à curiosidade. Agora que o mundo parece gigante, muito maior do que já era, ela quer explorar, ver como é. Quer descobrir se algo mais mudou. Quer redescobrir, conhecer tudo de novo.

Mas agora, pequena demais para esse mundo absurdamente grande, leva muito tempo para sair de seu quarto e chegar à porta da frente. É mais noite do que dia agora.

É quando ela encontra uma mariposa.
"Você é o animal mais estranho que eu já vi.", é a primeira coisa que a mariposa diz.
"Obrigada, eu acho.", responde.
"E é também o animal mais bonito que eu já vi.", as palavras ditas pela mariposa lhe causam risadas.

(Desde quando mariposas tem um conceito de beleza? Até as mariposas são atingidas pela onda avassaladora que é a eterna busca pela beleza?)
(Aparentemente sim.)

"Obrigada de novo", responde e deixa escapar as palavras que seguem "Você também é bonita. Você é linda.", e jurou que se mariposas pudessem ficar coradas de vergonha, aquela teria corado.
"Você só está dizendo jsso para parecer educada."
"Bem, se você me conhecesse melhor, saberia que eu não elogio as pessoas se eu não achar aquilo de verdade. Elogios por educação são vazios, e eu sempre achei que só deveria dizer algo se eu realmente acreditar naquilo."
"E por que isso?"
"Eu não sei, mas acho que é porque vejo tanto ódio, tantas pessoas dizendo às outras que elas não são bonitas, e elas usam tanto aquela palavra 'feio' tantas vezes... E eu odeio essa palavra pelo efeito que ela tem, que talvez ser sincera quando eu vejo beleza possa reverter um pouco a destruição que essa palavra traz consigo... Lembrar a beleza que existe nesse mundo, ou lembrar que uma pessoa é linda pode iluminar o dia dessa pessoa porque você sabe... Uma palavra de gentileza pode tornar tudo mais fácil, nesse mundo que já é difícil e impiedoso demais, e que às vezes nos faz esquecer de curtir e espalhar a beleza por aí..."
"Você tem razão", disse a mariposa "se eu te conhecesse melhor, eu nunca te diria que você fala as coisas para parecer educada. Você diz as coisas e fica mais bonita ainda. Linda. Eu pensava que isso era impossível."
"Eu não sei nem como responder a isso", falou com um sorriso sem graça.
"Bem, me dê a chance de te conhecer melhor. Deixe eu me apresentar antes, meu nome é Mariposa."
Sorriu diante da ironia de uma mariposa se chamar Mariposa, e respondeu:
"Meu nome é Empatia."
"Empatia, como quando você sente algo que a outra pessoa está sentindo, feliz se ela está feliz, se compadecendo do sofrimento alheio? Como quem se coloca no lugar dos outros?"
"Exatamente."
"Estou impressionado com você." Mariposa diz, fazendo Empatia dar uma risadinha.
"Posso dizer o mesmo a seu respeito", Empatia responde.

(Bem, não é todo dia que você conhece uma mariposa do seu tamanho, que entenda tão bem da concepção do que é ser humano, do que é sentir e apreciar o outro, não é mesmo?)
Sim, Empatia estava encantada.

Observaram a noite por um tempo: a brilhante lua escondida por duas nuvens, e algumas estrelas podiam ser vistas. Mariposa quebra o silêncio:
"O céu é lindo, e você também. Quero te levar para sair comigo."
"Como assim?"
"Um encontro."
A surpresa deixa Empatia muda. E é claro que aquilo não funcionaria entre os dois. Mas algo fez com que ela não dissesse isso em voz alta; admitiu para si mesma que a razão do seu silêncio não era só choque: estava curiosa. Parte dela queria ver como aquilo terminaria, então permaneceu calada.

Empatia sente a mão - ou perna - felpuda de Mariposa, e vê seu rosto refletido nos olhos de Mariposa:
"Eu vou te levar para o lugar mais bonito que eu conheço, porque você merece nada menos que isso."
"E onde é?", Empatia perguntou, ignorando o sentimento de que não deveria fazê-lo.
Em resposta, a cabeça de Mariposa apontou a direção da lâmpada que iluminava a entrada da casa. Empatia não conseguia acreditar na quase cômica ironia de que uma lâmpada acesa era o lugar mais bonito do mundo para alguém. Por outro lado, a luz é, de fato, uma coisa linda, refletiu deixando-se levar por pensamentos como "A luz sempre virá em tempos de escuridão". Então, como poderia negar algo tão sinples quanto aquilo? Como Empatia poderia se recusar a ver a beleza prla perspectiva de Mariposa? Era uma oportunidade incrível, e a única coisa que ela recusaria é a de perder aquela chance.

Subiu em Mariposa, e em alguns segundos já estavam voando. Uma experiência inteiramente nova para Empatia. Ora, isso não era óbvio? Quem mais teria uma oportunidade como essa? Ninguém acreditaria quando ela contasse... Mas nada é perfeito. E quando estavam voando na direção daquela lâmpada, outra luz apareceu: muito mais atraente e, também, infinitamente mais perigosa. Mariposa perdeu o controle, e não conseguia dar ouvidos à voz desesperada de Empatia, que tentava lhe trazer alguma razão:
"Não, Mariposa! Não vá pata aquela luz! É perigoso!"
"Empatia, eu não consigo evitar..."
"Você não pode fazer isso!", Empati gritou a plenos pulmões.
"Eu preciso! É tão linda...", Mariposa diz.

E agora é tarde demais.
Mariposa sucumbiu à atração.
Os dois batem na luz solar inseticida.
E tudo fica preto.

Empatia acorda com a sensação de que está caindo.

(Estava muito quente lá fora)
Está toda suada, e percebe que estava chorando enquanto dormia. A cabeça doía.

É noite lá fora, e ela sente uma estranha necessidade de ver a lua. Dá alguns passos para fora de casa e vê a luz inseticida. Está acesa e já fez sua primeira vítima: uma mariposa. É quando, como se tivesse sido atingida por um trem cheio de lembranças, lembra do seu sonho.
(Ou terá sido uma estranha realidade?)
A mariposa a seus pés parece com aquela que conheceu mais cedo.
Mas precisava ter certeza.

Então Empatia se abaixa, para poder ver melhor, e todas as suas dúvidas e suspeitas foram resolvidas com o calafrio que percorreu sua espinha: é Mariposa.

Por um momento se compadeceu do triste destino de seu companheiro, soltou um suspiro cansado e voltou para dentro de casa.

Que coisa perigosamente linda é amar algo tão intensamente que a simples atração física se torna letal.