Calma. Tranquila. Paciente. Pacata. Serena.
Resiliente. A quantidade de adjetivos que poderiam definir a personalidade de
Yassmin está numa lista infindável, mas todos transmitem a mesma ideia: Yassmin
está (quase) sempre intocável pelas perturbações cotidianas. Sua definição
preferida, no entanto, era aquela que revelava um pouquinho mais sobre sua
natureza, algo que não se reduzia à objetividade de uma palavra só: “Recebe
tudo o que lhe acontece de braços abertos, com um sorriso no rosto de quem não
se perturba com nada.”, muito mais subjetivo, e mais à altura de sua essência.
Parecia desleixada, tinha cara e jeito de quem não se importava com nada, até.
Mas era apenas uma impressão superficial. Ah, as impressões superficiais e suas
trapaças...
(Por diversas vezes, somos todos vítimas das
aparências, querendo ou não)
Yassmin se importava. Se importava com muitas
coisas e pessoas, para falar a verdade, e apesar de não parecer. Em defesa de
Yassmin, ninguém é culpado pelas impressões que os outros tem de nós. Se
importava com sua família, com seus amigos, com seu amor, com arte e
literatura. Se importava com o caminho que tem a trilhar pelo mundo, com o que
tem (e pode) oferecer ao mundo e às pessoas a seu redor. Se importava com tudo,
ao mesmo tempo que parecia se importar com nada. Yassmin sentia, e sentia
muito. Se importava até demais.
E, por se importar, acabava por se doar demais a
quem quer que fosse. Se dava por inteiro, até quase não sobrar nada de quem era
para si. Fazia de tudo para agradar, não conseguia dizer não. Acreditava no
poder do que fazemos pelas pessoas aqui: tudo o que vai, volta, e é melhor que
seja bom. Não era interesse, era bondade genuína. Uma bondade tão pura, tão
natural que torna a pessoa mais bonita, uma vez que a bondade verdadeira é uma
das características mais bonitas do ser humano. Não era ingênua, mas esperava
ser tratada com a mesma doçura e gentileza com que se prestava a tratar os
outros, principalmente quando se trata “das pequenas coisas”, essas, mais
importantes talvez até do que as “grandes coisas”, visíveis aos olhos de todos.
Um abraço, uma palavra amiga, um chocolate dado de
presente sem motivo, uma poesia escrita para ela em razão do seu
“desaniversário”. Era apaixonada por Alice. Sim, aquela do País das Maravilhas,
e amava todas as pequenas surpresas que faziam nos dias de seu chamado
desaniversário, pela simples falta de obrigação de as pessoas lhe fazerem algo
para agradar quando não é o dia do aniversário. Não que não amasse o
aniversário. Mas o desaniversário era mais legal, mais divertido, mais... Cheio
de surpresas. Essa era a natureza dúbia a respeito de Yassmin: esperava muito
das pessoas, mas, caso elas não agissem, não se abalaria. Mas esperava que
alguém retribuísse todo o seu amor.
Era assim que se decepcionava.
Caía.
Se entristecia.
Esperava demais e ninguém parecia corresponder às
suas expectativas.
E não eram expectativas egoístas.
Yassmin queria que as pessoas se abrissem mais, se
doassem mais... Não gostava de se usar como exemplo, não... Era humilde demais
para fazê-lo, mas, sim. As pessoas deveriam ser mais como Yassmin. As pessoas
deveriam aprender com elas a bondade e o altruísmo de se dar a alguém sem
esperar nada em troca, ainda que se esperasse. Não por ela, mas pelas pessoas.
Progresso da humanidade. Uma deficiência que temos hoje: passamos tanto tempo
estressados e perdidos dentro de nossos mundos interiores que acabamos por
esquecer o quanto um sorriso pode mudar o dia de alguém. Uma gentileza, por favor!
Agradecia quando o garçom trazia sua comida,
desejava um “bom dia” quando entrava nas lojas, perderia tempo tentando ajudar
um amigo ou conhecido, não importa se a pessoa só esteja procurando uma nova
indicação literária ou se estava passando por um problema sério. Compartilhava
poesia e músicas boas no facebook para quebrar um pouco a corrente de ódio das
pessoas... Todo dia uma reclamação diferente. O mundo seria mais bonito se nós
compartilhássemos mais poesia e amor, não? Seria mais ameno, talvez? Deixaria
qualquer programação de sexta à noite para ficar com seus pais em casa
assistindo um filme. Ajudava idosos, crianças, não importa a classe social ou
cor. Ajudava porque podia, ajudava porque queria. Ajudava porque achava que
deveria ser um ser humano decente, e este era o caminho: fazendo boas ações,
por menores que sejam, por mais que ninguém descobrisse. Ora, sua intenção não
era que descobrissem e a colocassem num pedestal, como se ela fosse um ser
extraordinário por fazer algo que todos deveríamos fazer. Ela só estava sendo
uma boa pessoa. Ou o que acreditava ser uma boa pessoa.
Mas às vezes se sentia injustiçada. Não é para
menos, Yassmin! Alguém que se dá tanto quanto você não pode esperar que os
outros a tratem da mesma forma. Foi percebendo que muitos só queriam se
apropriar de sua bondade, se aproveitar, que foi se decepcionando. Foi se
decepcionando com o modo que a viam, com o modo como acabava sempre tripudiada
por alguém. Alguém sempre passava a perna em Yassmin. Alguém chegava e não se importava.
Não se importar no mundo de hoje é regra, Yassmin.
Era um “Não quero ver filme com você.” que
machucava. Era um momento de estresse descontado em quem não tem nada a ver.
Gritos. Palavras agressivas. São as pequenas coisas, né, Yassmin? As pequenas
coisas que você tanto ama, que acabam machucando mais, e ninguém parece
perceber. Ou, se percebe, não se importa. E você não sabe o que é pior: estar
sozinha, ou ser deixada sozinha nessas horas. No fim das contas, não importa.
No fim das contas, a decepção é a mesma. No fim, você sempre acaba pensando:
“Eu vou desistir. Cansei de me importar.” No fim, você fica com uma convicção
apenas: trate os outros como você gostaria de ser tratada, mas nunca espere a
mesma forma de tratamento de volta. As pessoas parecem incapazes disso.
Não desista.
Persista e mostre a todos de que você é feita.
Mostre aquilo que você aprendeu desde cedo: o
propósito dos humanos na Terra é se tornarem pessoas melhores. Distribua amor,
gentileza, paz.
Pois, sinta, Yassmin!
Sinta muito!
Sinta demais.
Sinta por todos aqueles incapazes de sentir.
Yassmin, parafraseando uma de suas frases
preferidas:
“Seja como f(l)or.”
E, se assim for,
Permaneça flor.
Por favor.