domingo, 6 de março de 2016

Seje flor, Yassmin

Calma. Tranquila. Paciente. Pacata. Serena. Resiliente. A quantidade de adjetivos que poderiam definir a personalidade de Yassmin está numa lista infindável, mas todos transmitem a mesma ideia: Yassmin está (quase) sempre intocável pelas perturbações cotidianas. Sua definição preferida, no entanto, era aquela que revelava um pouquinho mais sobre sua natureza, algo que não se reduzia à objetividade de uma palavra só: “Recebe tudo o que lhe acontece de braços abertos, com um sorriso no rosto de quem não se perturba com nada.”, muito mais subjetivo, e mais à altura de sua essência. Parecia desleixada, tinha cara e jeito de quem não se importava com nada, até. Mas era apenas uma impressão superficial. Ah, as impressões superficiais e suas trapaças...

(Por diversas vezes, somos todos vítimas das aparências, querendo ou não)

Yassmin se importava. Se importava com muitas coisas e pessoas, para falar a verdade, e apesar de não parecer. Em defesa de Yassmin, ninguém é culpado pelas impressões que os outros tem de nós. Se importava com sua família, com seus amigos, com seu amor, com arte e literatura. Se importava com o caminho que tem a trilhar pelo mundo, com o que tem (e pode) oferecer ao mundo e às pessoas a seu redor. Se importava com tudo, ao mesmo tempo que parecia se importar com nada. Yassmin sentia, e sentia muito. Se importava até demais.

E, por se importar, acabava por se doar demais a quem quer que fosse. Se dava por inteiro, até quase não sobrar nada de quem era para si. Fazia de tudo para agradar, não conseguia dizer não. Acreditava no poder do que fazemos pelas pessoas aqui: tudo o que vai, volta, e é melhor que seja bom. Não era interesse, era bondade genuína. Uma bondade tão pura, tão natural que torna a pessoa mais bonita, uma vez que a bondade verdadeira é uma das características mais bonitas do ser humano. Não era ingênua, mas esperava ser tratada com a mesma doçura e gentileza com que se prestava a tratar os outros, principalmente quando se trata “das pequenas coisas”, essas, mais importantes talvez até do que as “grandes coisas”, visíveis aos olhos de todos.

Um abraço, uma palavra amiga, um chocolate dado de presente sem motivo, uma poesia escrita para ela em razão do seu “desaniversário”. Era apaixonada por Alice. Sim, aquela do País das Maravilhas, e amava todas as pequenas surpresas que faziam nos dias de seu chamado desaniversário, pela simples falta de obrigação de as pessoas lhe fazerem algo para agradar quando não é o dia do aniversário. Não que não amasse o aniversário. Mas o desaniversário era mais legal, mais divertido, mais... Cheio de surpresas. Essa era a natureza dúbia a respeito de Yassmin: esperava muito das pessoas, mas, caso elas não agissem, não se abalaria. Mas esperava que alguém retribuísse todo o seu amor.

Era assim que se decepcionava.
Caía.
Se entristecia.
Esperava demais e ninguém parecia corresponder às suas expectativas.
E não eram expectativas egoístas.

Yassmin queria que as pessoas se abrissem mais, se doassem mais... Não gostava de se usar como exemplo, não... Era humilde demais para fazê-lo, mas, sim. As pessoas deveriam ser mais como Yassmin. As pessoas deveriam aprender com elas a bondade e o altruísmo de se dar a alguém sem esperar nada em troca, ainda que se esperasse. Não por ela, mas pelas pessoas. Progresso da humanidade. Uma deficiência que temos hoje: passamos tanto tempo estressados e perdidos dentro de nossos mundos interiores que acabamos por esquecer o quanto um sorriso pode mudar o dia de alguém. Uma gentileza, por favor!

Agradecia quando o garçom trazia sua comida, desejava um “bom dia” quando entrava nas lojas, perderia tempo tentando ajudar um amigo ou conhecido, não importa se a pessoa só esteja procurando uma nova indicação literária ou se estava passando por um problema sério. Compartilhava poesia e músicas boas no facebook para quebrar um pouco a corrente de ódio das pessoas... Todo dia uma reclamação diferente. O mundo seria mais bonito se nós compartilhássemos mais poesia e amor, não? Seria mais ameno, talvez? Deixaria qualquer programação de sexta à noite para ficar com seus pais em casa assistindo um filme. Ajudava idosos, crianças, não importa a classe social ou cor. Ajudava porque podia, ajudava porque queria. Ajudava porque achava que deveria ser um ser humano decente, e este era o caminho: fazendo boas ações, por menores que sejam, por mais que ninguém descobrisse. Ora, sua intenção não era que descobrissem e a colocassem num pedestal, como se ela fosse um ser extraordinário por fazer algo que todos deveríamos fazer. Ela só estava sendo uma boa pessoa. Ou o que acreditava ser uma boa pessoa.

Mas às vezes se sentia injustiçada. Não é para menos, Yassmin! Alguém que se dá tanto quanto você não pode esperar que os outros a tratem da mesma forma. Foi percebendo que muitos só queriam se apropriar de sua bondade, se aproveitar, que foi se decepcionando. Foi se decepcionando com o modo que a viam, com o modo como acabava sempre tripudiada por alguém. Alguém sempre passava a perna em Yassmin. Alguém chegava e não se importava. Não se importar no mundo de hoje é regra, Yassmin.

Era um “Não quero ver filme com você.” que machucava. Era um momento de estresse descontado em quem não tem nada a ver. Gritos. Palavras agressivas. São as pequenas coisas, né, Yassmin? As pequenas coisas que você tanto ama, que acabam machucando mais, e ninguém parece perceber. Ou, se percebe, não se importa. E você não sabe o que é pior: estar sozinha, ou ser deixada sozinha nessas horas. No fim das contas, não importa. No fim das contas, a decepção é a mesma. No fim, você sempre acaba pensando: “Eu vou desistir. Cansei de me importar.” No fim, você fica com uma convicção apenas: trate os outros como você gostaria de ser tratada, mas nunca espere a mesma forma de tratamento de volta. As pessoas parecem incapazes disso.

Não desista.
Persista e mostre a todos de que você é feita.
Mostre aquilo que você aprendeu desde cedo: o propósito dos humanos na Terra é se tornarem pessoas melhores. Distribua amor, gentileza, paz.
Pois, sinta, Yassmin!
Sinta muito!
Sinta demais.
Sinta por todos aqueles incapazes de sentir.

Yassmin, parafraseando uma de suas frases preferidas:
“Seja como f(l)or.”
E, se assim for,
Permaneça flor.

Por favor.