quarta-feira, 27 de setembro de 2017

N.

Elas se falam todos os dias, praticamente o dia todo
Mas é nas manhãs que gostam de falar sobre os sentimentos
E sobre as pessoas que os causam,
Talvez porque eles estejam menos intensos, mais controlados...
Ou talvez porque passaram a madrugada acordadas,
Sentadas na janela de seus quartos, observando a luz amarela da rua
E pensando...
E sentindo...
E pensando...
E sentindo...
E lembrando.
Lembrando de quem se foi e de quem permaneceu
Principalmente de quem voltou (para ficar)
E lembrando de quem está para ir,
Mas gostariam que ficasse, ou gostariam de ir junto
Só pra não precisar ver partir.
Só pra ter aquela pessoa por perto para sempre,
Mas há coisas que estão fora de nosso poder.
Há coisas que não podemos controlar.
E não podemos controlar as pessoas,
Nem podemos obrigá-las a permanecer.
Só podemos esperar que elas o façam
Ou então que retornem logo, antes que doa demais.
Antes que o peso da ausência, do silêncio, fique insuportável.
Antes que sejamos esquecidas.
E não podemos controlar o amanhã,
Nem quando as pessoas irão partir
Porque eventualmente, todas elas partem
Algumas, nem querem partir.
"Me pergunto de quantas vidas eu parti,
mesmo quando ainda me queriam nelas.", refletimos.
Ficamos impotentes, acorrentadas aos ditames do tempo
Ansiosas pelo que o Universo nos trará de volta.
Podemos fazer algo?
Não... Nunca. Contra o Universo não podemos lutar,
Somos só duas meninas que brincam de escrever
E que tentam dar a quem amamos as melhores partes de nós.
E no final das contas, o que importa mesmo
É manter por perto quem desperta
A poesia adormecida em nós,
Porque no final das contas,
Tudo passa, e as pessoas também.
A única coisa que podemos fazer por nós e por elas
É transformá-las em poesia
Daquele jeito que só a gente sabe fazer.


domingo, 3 de setembro de 2017

A.

Ada buscou seus cadernos antigos, já sabendo qual texto gostaria de revisitar. Qual sentimento gostaria de revisitar. Ou seria o sentimento que a estava revisitando? Há anos não abria aquele caderno, há anos não lia aquele texto e, quando o fez da última vez, não conseguiu se identificar com o que lia; parecia outra Ada, de outra vida, com outra personalidade e outros sentimentos. No entanto, oito anos depois (oito anos...!), ela buscou aquele texto mal escrito num caderno de biologia do Ensino Médio para lembrar com se sentia quando escreveu. O motivo que originou aquele texto? Ela não conseguiria lembrar, mas lembra claramente do que sentia enquanto escrevia: sentia que estava caindo, as peças do quebra cabeça do seu ser todas fora do lugar. Bagunça. Bagunçada. Impotente. Inútil. Sozinha. Sentia que não pertencia a si mesma. E só... Acima de tudo, sentia que estava só.

E pior: sentia que não importava o quanto amasse aqueles ao seu redor, nunca seria o suficiente. Nunca seria gentil o suficiente. Não importa o quanto tente, Ada sempre machuca quem ela ama. Esse é seu carma, ter um efeito nocivo àqueles que lhe são queridos, àqueles que ama tanto quanto ama a si mesma. Foi quando escreveu, no finalzinho do texto uma frase mal escrita e formada em inglês, algo como: “Não se aproxime de mim, não ouse chegar perto, porque todos nós sabemos como isso vai acabar... Eu vou partir seu coração.”, frase essa que resume o sentimento que havia retornado. Oito anos depois. Oito anos.

Achava que havia abandonado este sentimento há muito, mas cedo ou tarde, tudo retorna. Todas as mágoas e felicidades retornam quando pertencem a alguém. E percebeu que esse sentimento estava enterrado em algum lugar de seu coração, mas não desaparecido. Não abandonado. “Talvez seja preciso conviver com ele pelo resto da vida.”, pensou. Pensou e enumerou todos os traços de sua personalidade guiados por esse sentimento. Sarcasmo é o principal deles, afinal de contas, é o traço principal de sua personalidade, um alerta de que não é uma boa pessoa, para que não esperem dela nada de bom. Também explica o motivo pelo qual ela ama o dia de seu aniversário: é o dia quando esse sentimento desaparece, como se ele nunca houvesse habitado seu ser, porque ouve de todos que ama o quanto ela é importante. O quanto ela os faz feliz. É o único dia quando escuta isso e não duvida do que ouve. O único.

Lembrou também da permuta que tentou fazer com o Universo, partindo do princípio de que todas as coisas boas e ruins que fazemos voltam para nós em algum momento de nossas vidas, tentou mostrar amor ao próximo. Esperava que o amor que tentava emanar fosse retornar a ela, esperava que, fazendo os outros felizes, conseguiria ficar feliz... Que ilusão! Tentou amar todos a seu redor. Tentou demonstrar seu amor por eles, mesmo que à sua maneira. Foi quando percebeu que sua maneira de amar está errada. Quanto mais amava, quanto mais demonstrava amor, mais machucava os outros. Que amor é esse, que machuca, no lugar de enaltecer e deixar feliz? Que amor é esse, que causa dor e não mais amor? Foi quando percebeu que todas as coisas que tenta fazer e demonstrar pelas pessoas acabam voltando para ela em forma de dor. Sempre alguém sai machucado. E ao ver os outros machucados por ações suas, Ada se machuca. Mais uma vez se sente impotente. Mais uma vez se sente sozinha. Mais uma vez se fecha por trás de uma barreira de sarcasmo. Desconhece sentimento pior do que esse: tentar fazer quem ama feliz e perceber que é uma inútil e que não poderia fazer outra pessoa feliz... Não consegue.

Sua dor resume-se a perceber que é a amiga, a amante, a filha, a irmã, que por mais que tente, não consegue fazer as outras pessoas felizes. Sempre desaponta, sempre decepciona. Por que tentar, então? Já sabe que não vai conseguir. Já sabe que não importa o quanto tente, nunca será suficiente. Nunca será boa o suficiente, nem para os outros, nem para si. Não importa quantas formas diferentes Ada tente usar para espalhar amor e esperança ao mundo, não é suficiente. Não importa. Nada importa. O que importa é a verdade. E sua verdade é que nunca será boa o suficiente. Ada nunca será o ser humano que gostaria de ser, porque quanto mais tenta se aproximar desse ideal, mais parece que ela está caminhando na direção contrária desta pessoa. Ada se vê sem propósito, porque se não consegue fazer aqueles que ama felizes, o que mais ela poderia fazer? Nada. Hoje, Ada é nada. Hoje, Ada se fecha novamente. Finge não ter sentimentos, porque assim é mais fácil. Sem sentimentos, ela não machuca ninguém, nem a si mesma. Hoje, Ada dá uma resposta sarcástica a alguém que ama, com aquele alerta: “Eu sou uma má pessoa, não confie em mim, porque eu vou te machucar.”. Mesmo sem querer.

Mesmo sem querer, Ada machuca quem ama.
Mesmo sem querer, Ada trás problemas e dores.
Mesmo sem querer, Ada nem se envolve, para não machucar.
Mesmo sem querer, Ada se fecha.

(é melhor para todos)
Mesmo sem querer, Ada fecha seu caderno.
Sucumbiu ao sentimento de que é a pior pessoa que conhece,
Talvez a pior pessoa que já existiu em seu tempo.
Nos cadernos antigos, encontra a solução para sua crise emocional:
E mesmo sem querer, Ada promete a si mesma
Que nunca mais permitirá que sofram por sua causa
Não mais permitirá que seu amor machuque qualquer pessoa.
(só queria poder fazer quem ama feliz
é pedir demais? é querer demais?
mas é incapaz demais, inútil demais)
(só queria levar amor e poesia a aqueles que ama)
(e nem isso conseguiu fazer!)
(nem isso consegue fazer.)
(todo dia, uma batalha perdida)
Não mais permitirá.
Não mais sentirá.
(virá robô)