quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Girassóis

Era muito claro... Tão claro que causou-lhe aquela cegueira temporária de um milionésimo de segundo, que mais parece uma eternidade, como quando se está em um lugar fechado e escuro, é preciso sair, e um dia ensolarado te faz cobrir os olhos. A luz era tamanha que faziam seus olhos doer. Mas não durou muito, logo se acostumou com a claridade.

Estava andando tranquilamente em seu pijama listrado, num campo onde só se via grama. Por todo lado grama, grama até o infinito. Nada além disso e o céu azul acima de si. A grama fazia cócegas em seus pés descalços.

Andava sem rumo, sem preocupações: não sabia para onde estava indo, nem se lá chegaria... Mas não se importava. Apenas era guiada por seus pés, e pela vontade de sentir o vento bater contra seu rosto. Talvez visse campos de girassóis.

Continuou a andar.

Não sabia o que viria a seguir.

A paisagem foi ficando cada vez mais clara, quase tão branca quanto a neve. Um arrepio percorreu seu corpo, e se abraçou, como que para se proteger. Mas não sentia frio. Na verdade, sentia nada... Nem percebia a estranheza daquele momento.

Ouviu algo.
Virou-se para procurar quem estava lhe fazendo companhia. Ou seguindo... Não importava.
Não viu nada, nem ninguém.

Voltou para seguir seu caminho e encontrou uma árvore.

Na árvore, viu uma criatura de cabelos ruivos, com pequenos cachos, e olhos incrivelmente azuis. Também tinha asas.

Grandes asas douradas, que sangravam, machucadas.

Ela olhou para aquele ser incomum, com o que poderia ser descrito como a mistura de curiosidade e deslumbramento, se seus olhos pudessem transmitir algum sentimento, se seus olhos dissessem algo... Se pudesse sentir.

Sob o olhar da aparição, andou até ficar a poucos metros da árvore, de um lugar onde pudesse analisar a aparição. Decidiu que estava olhando para um anjo. O anjo sentava em um dos galhos da árvore, mais parecia uma escultura de gelo e mármore... Em seus olhos, ela pôde ver lágrimas acumuladas, em seu rosto, viu o rastro das lágrimas. Apesar de não ter expressão facial definida, era óbvio que o anjo estivera chorando.

Chorava e suas asas sangravam.

“Por que estava chorando?”, ela perguntou.
Não obteve resposta, apenas o peso do par de olhos marejados sobre si.

Então sentiu.

Sentiu vontade de ajudar, de saber qual era o problema, de cuidar... Vontade de entender e conhecer mais sobre esta figura incrivelmente linda para a qual olhava. Vontade de deixar sua mão percorrer as asas douradas.
Deu um passo à frente. Se aproximou e viu, que com um movimento quase que imperceptível, seu companheiro se encolheu. Ou seria companheira? “Afinal, anjos tem sexo?”, se perguntou.
Deu outro passo. Pisou num graveto, que quebrou. O barulho daquele pequeno graveto quebrando foi como o de um trovão.

O anjo virou a cabeça para o lado, como um animal que ouve um ruído ameaçador, que ninguém mais consegue ouvir. Ela quis perguntar algo, mas não conseguiu. Abriu a boca, mas a voz não saía. Talvez sua língua estivesse colada ao céu da boca.
“Você precisa ir.”, disse uma voz grave em sua cabeça. Era uma voz que transmitia poder. Ela sabia a quem pertencia, e não era a sua consciência.

Relutou, sentiu-se desamparada. Não queria ir e deixar seu novo amigo lá... Seria amigo ou inimigo, no final das contas?

As lágrimas voltaram a escorrer pelo rosto do anjo.

“Não chore...”, ela tentou parecer acalentadora, confortante.

Então, os passos que haviam parado para conhecer seu novo amigo incomum, foram transformados em longos passos, e depois, numa corrida. Viu a criatura cair da árvore, e correu para ampará-la.

A claridade acabou, estava tudo escuro, novamente. De repente, a claridade estava de volta. Mas dessa vez era diferente. Eram as luzes do metrô. Havia dormido mais uma vez... O mesmo sonho estranho.

Perdeu sua parada. Pela terceira vez naquela semana.

E não viu os campos de girassóis.