Era muito claro... Tão claro que causou-lhe aquela cegueira
temporária de um milionésimo de segundo, que mais parece uma eternidade, como
quando se está em um lugar fechado e escuro, é preciso sair, e um dia
ensolarado te faz cobrir os olhos. A luz era tamanha que faziam seus olhos
doer. Mas não durou muito, logo se acostumou com a claridade.
Estava andando tranquilamente em seu pijama listrado, num
campo onde só se via grama. Por todo lado grama, grama até o infinito. Nada
além disso e o céu azul acima de si. A grama fazia cócegas em seus pés
descalços.
Andava sem rumo, sem preocupações: não sabia para onde
estava indo, nem se lá chegaria... Mas não se importava. Apenas era guiada por
seus pés, e pela vontade de sentir o vento bater contra seu rosto. Talvez visse
campos de girassóis.
Continuou a andar.
Não sabia o que viria a seguir.
A paisagem foi ficando cada vez mais clara, quase tão branca
quanto a neve. Um arrepio percorreu seu corpo, e se abraçou, como que para se
proteger. Mas não sentia frio. Na verdade, sentia nada... Nem percebia a
estranheza daquele momento.
Ouviu algo.
Virou-se para procurar quem estava lhe fazendo companhia. Ou
seguindo... Não importava.
Não viu nada, nem ninguém.
Voltou para seguir seu caminho e encontrou uma árvore.
Na árvore, viu uma criatura de cabelos ruivos, com pequenos
cachos, e olhos incrivelmente azuis. Também tinha asas.
Grandes asas douradas, que sangravam, machucadas.
Ela olhou para aquele ser incomum, com o que poderia ser
descrito como a mistura de curiosidade e deslumbramento, se seus olhos pudessem
transmitir algum sentimento, se seus olhos dissessem algo... Se pudesse sentir.
Sob o olhar da aparição, andou até ficar a poucos metros da
árvore, de um lugar onde pudesse analisar a aparição. Decidiu que estava
olhando para um anjo. O anjo sentava em um dos galhos da árvore, mais parecia
uma escultura de gelo e mármore... Em seus olhos, ela pôde ver lágrimas
acumuladas, em seu rosto, viu o rastro das lágrimas. Apesar de não ter
expressão facial definida, era óbvio que o anjo estivera chorando.
Chorava e suas asas sangravam.
“Por que estava chorando?”, ela perguntou.
Não obteve resposta, apenas o peso do par de olhos marejados
sobre si.
Então sentiu.
Sentiu vontade de ajudar, de saber qual era o problema, de
cuidar... Vontade de entender e conhecer mais sobre esta figura incrivelmente
linda para a qual olhava. Vontade de deixar sua mão percorrer as asas douradas.
Deu um passo à frente. Se aproximou e viu, que com um
movimento quase que imperceptível, seu companheiro se encolheu. Ou seria
companheira? “Afinal, anjos tem sexo?”,
se perguntou.
Deu outro passo. Pisou num graveto, que quebrou. O barulho
daquele pequeno graveto quebrando foi como o de um trovão.
O anjo virou a cabeça para o lado, como um animal que ouve
um ruído ameaçador, que ninguém mais consegue ouvir. Ela quis perguntar algo,
mas não conseguiu. Abriu a boca, mas a voz não saía. Talvez sua língua
estivesse colada ao céu da boca.
“Você precisa ir.”, disse uma voz grave em sua cabeça. Era
uma voz que transmitia poder. Ela sabia a quem pertencia, e não era a sua
consciência.
Relutou, sentiu-se desamparada. Não queria ir e deixar seu
novo amigo lá... Seria amigo ou inimigo, no final das contas?
As lágrimas voltaram a escorrer pelo rosto do anjo.
“Não chore...”, ela tentou parecer acalentadora,
confortante.
Então, os passos que haviam parado para conhecer seu novo
amigo incomum, foram transformados em longos passos, e depois, numa corrida.
Viu a criatura cair da árvore, e correu para ampará-la.
A claridade acabou, estava tudo escuro, novamente. De
repente, a claridade estava de volta. Mas dessa vez era diferente. Eram as
luzes do metrô. Havia dormido mais uma vez... O mesmo sonho estranho.
Perdeu sua parada. Pela terceira vez naquela semana.
E não viu os campos de girassóis.