sábado, 24 de junho de 2017

Pietra

“Meu sonho é ter 1% da sua segurança.”, Pietra sempre dá uma risadinha quando ouve esse comentário. Ora, já é tão comum que nem se impressiona mais. E não poderia mesmo dizer que se impressiona quando a reconhecem como uma mulher segura de si, ela o é, sem sombra de dúvidas, e reconhecer isso aumenta mais ainda sua segurança. Esse comentário geralmente vem acompanhado de um outro: “Me ensine a ser como você!”, ao qual ela poderia prontamente responder: “Eu já fui insegura um dia.”, uma resposta que acalme e tranquilize o coração ansioso daqueles que querem tomar rumo de suas vidas e de seu amor próprio. "Empoderamento" é a palavra. Dizem.


Nesse diálogo, no entanto, entre as falas, as memórias vem. Rápidas como um raio, um filme correndo por trás de seus olhos. E lembra. Lembra dos dias ruins. Lembra de quando esses dias ruins superavam a quantidade de dias bons. Parece outra vida, outra Pietra. Há quantos anos? Quantas vidas atrás? Mas é ela, e é sua história. Ser quem ela é agora, ser segura de si como se sente foi uma construção, passando dos dias de escola, dos dias quando era chamada de “feia” e “burra”, além de outros adjetivos que hoje já não importam. Não... Não é que não importem. Importam, e muito. Importam porque todos os insultos e xingamentos, todas as coisas que já a machucaram serviram de alimento para se tornar quem é hoje. Palavras influenciam. “Palavras machucam mais que espadas”, repete para si mesma. O importante é usar essas palavras como um benefício. É importante e difícil, mas não vai parar de caminhar na estrada da vida. Não vai dar a ninguém esse poder.


“O que não te mata te deixa mais forte”, diz o ditado. Mas ninguém espera por isso. O que seus chamados agressores esperavam é que ela se sentisse diminuída, humilhada a ponto de se tornar invisível, de se tornar nada. Esperavam roubar sua autoestima para eles, para se sentirem bem consigo mesmos... Uma pena. Risos. Lembra da escola? Mas é claro! Quer ir lá? Não. Hoje em dia, normalmente finge não ver aqueles tão chamados colegas. Eles não importam, no fim das contas. Eles nem lembram! “Quem dá o tapa esquece, mas quem leva, nunca.”, lembra de sua mãe ter lhe dito há muitos anos. Quis sair e se afastar? Não era uma possibilidade. Gostava de dar a cara à tapa, de vê-los tentar destruí-la. Era pedra. Forjada em fogo. Não permitiria que a derrubassem tão facilmente, e talvez este pequeno grande ato de rebeldia tenha sido, também, o primeiro ato de amor próprio de sua vida. Hoje, ri de tudo isso.


Alimentavam seu espírito rebelde e nem faziam ideia. Uma graça.


Ao mesmo tempo, sabendo do poder que as palavras tem, às vezes tropeçava e não era feliz. “Água mole e pedra dura, tanto bate até que fura.”, lembra da primeira vez que ouviu esse ditado. Procurando Nemo. Admite não ter entendido de início o significado de tais dizeres, mas nada que o tempo não tenha resolvido. Entendeu com tantas palavras ruins em sua direção. Por que a odiavam tanto? O que ela fez? A verdade é que não precisava fazer nada para ser odiada. Às vezes a gente acredita, né. E acreditou. De tanto ouvir insultos, começou a acreditar que era o que diziam. No entanto, para infelicidade dos outros, essa não era a regra. Só acreditava às vezes. Em pequenos momentos de fraqueza. Todos temos. Acho que já vi algo assim em algum lugar...


Não era feliz ao se sentir pressionada em permanecer forte, até que a força foi encarnando. Não doía mais. Nesse caminho, no entanto, havia recaídas e as palavras às vezes atingiam o objetivo de machucar. Mas permaneceu na luta. E nela, descobriu um grande amigo; o sarcasmo, que a acompanha até hoje. É um bom amigo, para toda e qualquer hora. “Não há coisa melhor do que uma respostinha sarcástica para um comentário babaca.”, costuma dizer quando questionada sobre ser uma pessoa rude. Rude? Nunca. Mas aprendeu a se impor. Não leva desaforo pra casa. Não mais. Só às vezes, quando é divertido...


No entanto, tinha raiva ao perceber que muitos tentavam se sentir bem tentando destruí-la. “Coisa de gente com baixa autoestima”, ela diz hoje. E ri. Ela sempre ri. Desde aquela época, então, aprendeu a mais valiosa lição que alguém poderia lhe ensinar: precisa se amar mais do que tudo, não para provar a eles que estão errados e, sim, porque ela pode perder tudo e todos, mas nunca perderá a si mesma. Mais do que com qualquer outra pessoa, ela vai ter de aprender a conviver consigo mesma, afinal, está presa em seu corpo, sua mente, seus sentimentos. A questão é que precisou aprender isso sozinha.


“Conviver com outras pessoas é uma opção, sempre foi e sempre será. Mas conviver consigo mesmo, não. Você não escolhe. Você vive dentro do seu corpo. Então é melhor começar a se amar e ser gentil consigo mesma, porque o mundo e as outras pessoas não se importam muito em serem gentis com você. É cada um por si, e tem muita gente que quer te rebaixar pra se sentirem bem.”, disse uma vez a sua amiga. No entanto, surge o questionamento: como fazer isso? Como poderia? Afinal, abandonar o que os outros pensam de nós, mesmo pessoas que não nos são importantes é difícil. Pietra não sabe explicar o porquê, “Como diria Chicó, ‘só sei que foi assim.’ Só sei que é assim.”. Mas eles significam nada. Por que a opinião de pessoas que não conhecem a totalidade da sua essência importa mais do que o que você pensa de si mesmo? Não importa, e nunca deveria ter importado. A opinião de ninguém importa, só a sua. Lembre. Guarde isso. Pense nisso todos os dias.


Mas e o processo? Como se faz? Existe uma fórmula? “Se um dia eu descobrir como se tornar uma pessoa segura de si, eu te dou uma lista de afazeres com um passo a passo bem massa.”, ri. Mas tem de haver uma fórmula, caso contrário, livros de autoajuda não seriam vendidos. Mais uma vez lhe ocorreu uma conversa, quando lhe disseram que seu primeiro pensamento do dia definiria quão bom ou ruim ele seria. Resolveu testar. Seria impossível, no entanto, controlar seu primeiro pensamento do dia, mas bolou um plano para se ajudar: assim que acordasse, quando estivesse escovando os dentes e vendo seu reflexo no espelho, diria alguma coisa boa sobre si, sobre o sonho que teve na noite anterior, ou qualquer outra coisa que lhe viesse à mente. “Mas precisa ser alguma coisa boa, tem que ser a primeira coisa boa que vier à sua cabeça.”, e percebeu que, sim, o Universo retribui.


Algum tempo depois, Pietra não saberia dizer quanto, um certo Doutor com uma gravata borboleta lhe ensinou sobre gentileza. E não só sobre como ser mais gentil consigo mesma como, também, com os outros. “Ainda não sou totalmente boa com isso, admito. Só sou gentil com quem eu acho que merece.”, mas abraçou sua espontaneidade e hoje não segura mais um elogio a alguém, afinal de contas, ela também não sabe o que está acontecendo no dia do outro, muito menos sabe como o outro sente a respeito de si mesmo e, conhecedora das palavras como é, sabe muito bem como isso pode mudar o dia de uma pessoa.


Tenta deixar os julgamentos e comentários desnecessários de lado. Se vai machucar alguém, por que dizer? Gostaria de conseguir controlar os comentários maldosos na hora da raiva. Ah, como gostaria...! Mas Pietra é humana, e sabe que sua maior certeza é a busca por uma melhor versão de si mesma. Tenta melhorar, ser mais gentil com os outros a cada dia que passa.


Ser gentil consigo mesma é a parte fácil para ela. Com os pequenos atos de gentileza pelos outros, o Universo foi retribuindo. Não é fraqueza dizer o que se acha bonito no outro, mesmo que não seja um aspecto físico, acredita ser esse o problema da modernidade. Elogiar, ser gentil, ajudar, emanar qualquer coisa boa de dentro de si, além de ser sinal de fraqueza, as pessoas vão assumir que existem segundas, terceiras, quartas, mil outras intenções por trás de um simples comentário. E ela não vai mentir, talvez até exista... Mas até que estas outras demais intenções sejam provadas, a primeira e única é a de fazer uma pequena gentileza. Não é? Não. Tudo errado. Ou seria a percepção das pessoas que está errada? Lembra daquela frase cuja bandeira muitos carregam? “Mais amor, por favor!”. Mas... Não, esqueça... Deixe quieto.


Reluta: “Além disso, existem coisas que outras pessoas podem perceber em você que você nunca notou. Você já parou para pensar que alguém na fila do banco pode te achar uma pessoa linda, rindo de algum meme que seus amigos te mandaram pelo whatsapp?”. E, da mesma forma que os elogios saem de sua boca, eles retornam para si, mesmo que não seja da pessoa com quem ela estava conversando. E não importa. A moral de sua história é ter extraído sua personalidade das coisas boas e ruins que aconteceram, transformando todas elas em aspectos positivos.


Com o tempo, Pietra cresceu os muros de sua autoestima e sua segurança. Hoje, se considera quase indestrutível. Quase. Mas se construiu de forma que só será derrubada por outra pessoa se ela lhe conceder este poder. E por que faria isso? Não... Pietra se mantem firme e forte. Uma pedra. Ainda se depara com pessoas que querem destruir seu templo de amor próprio, afinal de contas, uma mulher tão segura de si de uma forma tão crua, é perigoso num mundo machista. Homens e outras mulheres se incomodam com pessoas como Pietra, sua confiança despida de orgulho inflama o ego alheio. Pietra, no entanto, há muito aprendeu a não dar importância ao que os outros dizem. “Sou o que sou e não o que dizem.”, Pietra costuma gargalhar ao dizer essa frase de forma debochada, digna de uma certa rede social não mais existente. Nessas ocasiões, Pietra ri e dá de ombros, deixe que pensem o que quiserem pensar. Às vezes faz uma careta, como quem diz: “Ninguém importa nesse mundo para mim mais do que eu. Ninguém.”


Permanece.
Volta ao início do ciclo.
E dizem: “Eu queria ser segura como você.”, Pietra ri.
Plot twist: disseram algo diferente dessa vez.
“Sim, mas você não é assim desde sempre.”
Não mesmo. Pietra é pedra que vive em constante crescimento.
E, acima de tudo, de uma rebeldia criada só para irritar quem tentava lhe diminuir e para “mostrar quem é que manda”, surgiu a maior lição de todas.

Pietra se ama e não permite que lhe digam que isso é impossível.
Porque ela mesma, há muito, já provou o contrário.
Indestrutível.
O Universo continua retribuindo.

E retribui bem, devo dizer...