O que faz de você quem você é?
Seus CD's arranhados, livros rasgados,
O LP do Pink Floyd que era do seu pai e você não pode ouvir porque não tem uma vitrola,
Aquele cassete que não pode mais ser exibido,
Aquela carta esquecida numa caixa de lembranças, nunca mais lida,
"Sua lógica torta..."
As tatuagens marcadas em seu corpo, até mesmo aquelas que você ainda não fez...
Aquele *** gasto com um jantar com seus amigos,
Uma palavra doce, uma boa piada,
Aquela banda cujas músicas você não escuta desde a adolescência
Ou aquele filme que você vê ao menos uma vez ao ano...
Os amores frustrados,
As paqueras que se tornaram amigos...
As partes esquecidas de você?
Tudo faz parte de você?
Você já fechou os olhos
E tentou entrar dentro da sua pele?
Já parou para sentir seu sangue correndo em suas veias,
Seus órgãos pulsando, seu coração batendo,
Seus pensamentos reverberando da cabeça aos pés
E sua energia se expandindo para o resto do mundo?
Você já parou para ouvir o seu silêncio,
Quando o único som que sai de você é a sua respiração?
Você pode até quase ouvir o seu coração ecoando dentro de você!
Você já teve sua pele marcada por um toque
A ponto de você às vezes senti-lo novamente, quando ninguém está te olhando?
Já parou para sentir o ar frio da noite encostando na pele dos seus braços
E o calor de uma fogueira em seu rosto?
É tanta informação que os ouvidos ficam com um zumbido,
Quase como gritos cantando em sua cabeça.
Transporte-se para dentro de si e perceba
Quanta vida há dentro de você,
Como o oceano, tão vasto, tão cheio de coisas impossíveis,
Tão... Assustador!
Pare para imaginar qual a cor do seu amor
E quão avassalador pode ser seu ódio.
Todas as suas ações e omissões,
Todos os preços que você já pagou
(TODOS OS PÃES QUE O DIABO AMASSOU E JÁ TE FEZ COMER
Você diria que ele é um bom padeiro?)
A sinestesia do ser, do ter, do crer e sentir.
Tiramos fotos para parar o tempo, congelar memórias.
Para nos transmutar em arte,
Para guardar na memória todas as peles que já vestimos,
Para lembrar de quem fomos quando nos tornamos quem nos tornamos.
Quando tudo o que faz de você quem você é
Se tornar tudo isso e um pouco mais
E celebrar quem se está sendo hoje,
Ainda que a lacuna aberta pelo vazio de quem ainda seremos seja tão assustadora
Quanto encarar um buraco negro em sua mais pura e insana forma.
Hoje você já é muito mais do que acredita ser.
Desabroche.
(obrigada e feliz aniversário, Carol!)
terça-feira, 17 de setembro de 2019
quarta-feira, 4 de setembro de 2019
A Bacurau
Acho que a cada período de tempo surge alguma grande obra que mostre
o Nordeste ao resto do mundo. Talvez esses períodos sejam longos ou
não, não acho que sou muito boa em determinar a passagem do tempo
como as outras pessoas fazem. O que eu posso afirmar é que “Morte
e Vida Severina” e “O Auto da Compadecida” fizeram parte da
minha vida. Lembro da
primeira vez que li “Morte e Vida Severina”, aos 14 anos. Nada
fazia sentido, ao passo em que tudo fazia sentido.
“O Auto da Compadecida” eu nem consigo me lembrar de ter vivido
sem essa obra fazer parte da minha vida. Não lembro de uma época em
que a criação de Ariano não corresse em minhas veias. Depois veio
“O Santo e a Porca”: “Ai, a crise! Ai, a carestia!”, e aí
veio Mad Max.
Mad
Max, que não tem nada a ver com o Nordeste brasileiro, até que,
em um momento de delírio
ou, como eu gosto de chamar “Orgasmo da Gúliver”, surgiu uma
ideia para relacionar Mad Max, ao coronelismo no Nordeste brasileiro,
usando a água como ponto comum e, a partir disso, entrelaçar Arte,
História e Direito, analisando as figuras de poder dos dois
universos e,
ainda, usando o caráter de vitalidade da água para vê-la pelas
lentes das estruturas de poder. Água é vida. E nesse caso, água é
poder. Em Mad Max e no Coronelismo, a água deixa de ser um Direito
Humano, conforme atestado pela Organização das Nações Unidas para
se tornar moeda de poder. Quanto mais água se controla, maior o
curral. Isso devia ter sido um artigo científico mas admito que, por falta de vergonha na cara, ainda não o publiquei.
E
onde você entra nisso? Essa carta não é para Mad Max, nem para
Ariano Suassuna ou para João Cabral de Melo Neto. Essa carta é pra
você, Bacurau. Essa carta é pra você, por ter me feito sentir
tanta coisa que eu nem lembrava que poderia sentir assistindo um
filme. Mas arte é isso, né? Arte é o que nos faz sentir. Arte é o
que nos faz refletir. Arte é resistir. E você, Bacurau… Eu não
sei como você fez isso, meu bem, mas você conseguiu não apenas
superar minhas expectativas quanto ao que eu iria assistir, mas me
levou para uma viagem por toda a minha vida. Ah, e que viagem!
Eu
ainda estou desnorteada com a carga emocional que você depositou em
mim.
Voltei
à minha infância, a um lugar chamado Laranjeiras do Abdias, um
lugar para onde meu avô que
não está mais aqui
me levava quando menina. Lá, morava dona Inês, a mãe dele. Minha
bisavó. A primeira memória que eu tenho de lá, é de estar num
riacho que passava pelo sítio e, quando me dou conta, tinha uma
cobra perto de mim (segundo histórias, era comum que animais meio
perigosos se aproximassem de mim quando pequena). Ora, não me
pergunte que cobra era essa, porque eu não lembro. Mas eu lembro de
dona Inês. Ela matou a cobra com uma pedra. Eu a vi como uma
super-heroína naquele dia. Consigo lembrar claramente da imagem que minha mente memorizou nesse fia. Outra memória doce era a colcha azul que
ficava em cima da cama na qual eu gostava de deitar.
Mas
acho que a memória mais marcante que eu tenho de Laranjeiras é de
ter visto uma pessoa morta pela primeira vez em minha vida. Lembro de
dona Inês, os cabelinhos todos brancos, deitada
em cima da mesa, coberta por um lençol tão branco quanto seus
cabelos. Não posso dizer com certeza que foi em cima da mesa, porque
todos sabemos que a memória é uma criança brincalhona e muitas
vezes pode nos pregar peças. Mas lembro de ter perguntado à minha
mãe se era ela que estava ali, se estava morta. “É uma boneca,
filha.”, mainha me disse, tentando proteger a criança cuja idade
podia ser contada nos dedos de uma mão. Eu sabia que ela tinha
mentido pro meu bem. Eu sabia que aquilo era um adeus. Mas eu nunca
senti esse adeus. Não até hoje. Não até você. Obrigada por isso.
Ora, eu era uma criança! Mas eu pude ter acesso à minha
ancestralidade. Cruzar hoje com você foi quase uma comunhão
espiritual.
Cruzar
com você foi tão forte que ainda estou me tremendo, ainda um pouco
desnorteada, enquanto te escrevo.
À
medida em que eu te deixava entrar em mim, à medida em que me
apaixonava por cada pequeno detalhe seu (e por Lunga, VOU MENTIR PRA QUÊ?), eu refletia: será que mais
uma vez a água vai ser usada como moeda de poder? “Será que esse
filme vai ser tipo Mad Max, só que no Nordeste?” e que satisfação
a minha ao levar um tapa na cara da resistência! Que delícia! Que empoderador!
Quebrar a cara nunca foi tão bom! Que delícia ver a teimosia e a
força do Nordestino! A cada minuto que passava, quando eu ia
entendendo o que eu estava vendo, eu ficava me perguntando: “O que
esse povo fez pra merecer isso?”, mas você tirou minhas dúvidas.
O povo de Bacurau resistiu. Me lembrou da resistência do povo de
Mossoró ao ataque de Lampião e seu bando.
O
povo de Bacurau resistiu, como o Nordeste resiste. Somos os próprios
heróis dessa história. Mesmo
com tantas “mortes morridas”, Bacurau resistiu. Sempre de orelha
em pé, sem baixar a cabeça para um inimigo do povo, um engomadinho
ganancioso sedento por poder puro, disfarçado de benfeitor mas
pronto pra nos apunhalar pelas costas. Em Bacurau, um forasteiro não
governa. Em Bacurau, quem governa é o povo. Quem protege um ao outro
é o povo. É Lunga. Lunga, que me despertou a memória da
adolescência, que tem um quê de Curupira, o defensor das matas.
Lunga é o defensor de Bacurau, assim como todos os outros locais. É Dona
Domingas. DONA DOMINGAS, ESSA MULHER QUE EU GOSTARIA DE TER CONHECIDO
EM MINHA ADOLESCÊNCIA, essa mulher intrépida e forte. Esse povo
destemido! Que retrato lindo que você mostrou ao mundo! Me sinto
representada e empoderada. Meu Deus, como estou empoderada!
Mas
vou parar por aqui, porque eu não vou te dizer mais nada sobre o que
você é, porque você sabe tão bem quanto eu o que você é.
Ninguém diz a um nordestino quem ele é, além dele mesmo.
Tem
gente que vai dizer que é pantim, mas eu vou te contar uma coisa:
você entrou na minha pele e agora corre em meu sangue nordestino. Espero que você possa conquistar o mundo.
domingo, 1 de setembro de 2019
Setembro Amarelo
(observa a fumaça saindo da xícara)
(é chá de
camomila)
E o setembro, é
amarelo.
O setembro é
amarelo como o amarelo de Van Gogh
Amarelo que ele
usava quando estava feliz
(nas raras vezes em
que experimentou a felicidade real e plena, o amarelo estava lá)
Amarelo dos campos
de trigo,
Dos girassóis,
Presente também nos
autorretratos,
Cuja ausência de
vida e felicidade
Estavam estampadas
nos olhos tristes daquele homem
Os autorretratos do
artista insaciável e implacável,
Sofrido, internado,
intenso, marginalizado.
REJEITADO!
(um pobre demônio,
odiado por tantos ignorantes que não entendiam…)
(em minha mente,
faço de meus braços seu aconchego)
(volto no tempo para
lhe dizer: “Sim, você é amado. Sua arte transcende os tempos e
aqui permanecerá até mesmo depois que eu me for.”)
O tiro no peito
naquele 27 de Julho
O TIRO QUE CAUSOU
DOIS DIAS DE SOFRIMENTO!!!
“A tristeza vai
durar para sempre...”
E morreu.
Tanta dor que tirou
a própria vida…
Que forte, que
intenso…
Uma decisão tão
definitiva…
Que digno de
reflexão!
Em seu túmulo,
girassóis amarelos.
Amarelos como
setembro,
setembroamarelomêsdeprevençãoaosuicídio!
O mês dos holofotes
dos Digital Influencers,
Aqueles que tem
ibope falando verdades genéricas,
Que sentam num trono
de caveiras da autoestima alheia,
Ao dizer que devemos
nos amar mais.
Como se fosse um
passo-a-passo simples de seguir,
Aqueles que abrem o
“inbox” para conversar
Mas pelas costas,
dizem que Fulano tem “a energia pesada”.
E falam de suicídio,
Como se fosse
simples,
Como se não fosse
delicado…
Como se não
existissem doenças mentais,
COMO SE FOSSE
POBREZA DE ESPÍRITO!!
Como se “amor
próprio” fosse uma droga vendida em qualquer esquina…
AMOR
PRÓPRIO VIROU RECEITA DE BOLO AGORA, FOI?
FALA
DE PREVENIR SUICÍDIO
SÓ
FALA DE AMOR PRÓPRIO
E
AINDA ESQUECE DAS DOENÇAS MENTAIS
PORQUE
DOENÇA MENTAL HOJE EM DIA É TABU
Mas
você precisa se amar mais…
DIGA
COMO!
ME
FALE, Ó GRANDE GURU DA AUTOESTIMA
DIGA
COMO ME OLHAR NO ESPELHO E GOSTAR DO QUE VEJO
DIGA
COMO NÃO ME SENTIR REPUGNANTE
DIGA
COMO ESQUECER AQUELA BESTEIRA QUE FALEI HÁ CINCO ANOS!
DIGA
COMO ARRUMAR FORÇAS PARA LEVANTAR DA CAMA!
DIGA
COMO! EU INSISTO!
Diga
como… Como eu consigo fazer uma atividade cotidiana, a mais básica…
Sem que minhas energias acabem completamente…
QUANDO
MAL POSSO PRESTAR ATENÇÃO AO MUNDO EM MEIO A TANTOS GRITOS DA MINHA
CABEÇA
QUANDO
RESPIRAR É DIFÍCIL
PORQUE
MEUS PENSAMENTOS RUDES
SÃO
ALTOS
DEMAIS
E
OS SENTIMENTOS HOSTIS TORNAM O DESERTO DA MINHA MENTE UM LUGAR
INÓSPITO
(o
deserto amarelo como o setembro)
ONDE
NEM FLOR NASCE!
NEM
MESMO UMA ERVA DANINHA?
(estou
cansada…
Recolho-me,
deito em posição fetal)
Minha
cabeça não descansa,
Meus
olhos não páram…
As
cores não são mais vívidas,
Nem
mesmo o amarelo do setembro!
(e
penso em desistir, em me machucar, afinal o mundo provavelmente será
melhor sem mim)
VIVO
SUFOCADA,
Pressa
no pesar da minha própria existência
E
dói, e pesa…
E
me canso do peso de quem sou
Quero
sair de mim!
Mas
é claro que não consigo…
(suspira,
deixa seu peso cair no sofá)
Preciso
me amar,
Não
posso ser outra pessoa, afinal.
Não
tenho outra escolha.
Ceder
à morte, nunca.
Na
rádio, ouço pela segunda vez ao dia “Hey Jude” tocar…
“You
don’t have to carry the weight of the world on your shoulder...”
Nem
ele, nem eu, nem ninguém.
Considero
isso um sinal do Universo,
Para
viver um dia de cada vez,
Tentar
aprender a me amar,
Um
passo de cada vez,
Uma
pequena (ou grande) felicidade de cada vez,
Plantando
um girassol em cada passo de meu trajeto,
Respiro!
Uma
vitória por vez.
Calando
as caraminholas da minha cabeça pouco a pouco…
Ah,
o chá esfriou…
Agora
posso bebê-lo.
Talvez
a camomila me acalme…
Engraçado
que camomila é amarelo, né.
Amarelo,
Virgínia.
Que
nem setembro amarelo.
(mas
todo dia é dia de lutar
contra
os vilões dentro de nós)
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