domingo, 1 de setembro de 2019

Setembro Amarelo

(observa a fumaça saindo da xícara)
(é chá de camomila)
E o setembro, é amarelo.
O setembro é amarelo como o amarelo de Van Gogh
Amarelo que ele usava quando estava feliz
(nas raras vezes em que experimentou a felicidade real e plena, o amarelo estava lá)
Amarelo dos campos de trigo,
Dos girassóis,
Presente também nos autorretratos,
Cuja ausência de vida e felicidade
Estavam estampadas nos olhos tristes daquele homem
Os autorretratos do artista insaciável e implacável,
Sofrido, internado, intenso, marginalizado.
REJEITADO!
(um pobre demônio, odiado por tantos ignorantes que não entendiam…)
(em minha mente, faço de meus braços seu aconchego)
(volto no tempo para lhe dizer: “Sim, você é amado. Sua arte transcende os tempos e aqui permanecerá até mesmo depois que eu me for.”)
O tiro no peito naquele 27 de Julho
O TIRO QUE CAUSOU DOIS DIAS DE SOFRIMENTO!!!
“A tristeza vai durar para sempre...”
E morreu.
Tanta dor que tirou a própria vida…
Que forte, que intenso…
Uma decisão tão definitiva…
Que digno de reflexão!
Em seu túmulo, girassóis amarelos.


Amarelos como setembro,
setembroamarelomêsdeprevençãoaosuicídio!

O mês dos holofotes dos Digital Influencers,
Aqueles que tem ibope falando verdades genéricas,
Que sentam num trono de caveiras da autoestima alheia,
Ao dizer que devemos nos amar mais.
Como se fosse um passo-a-passo simples de seguir,
Aqueles que abrem o “inbox” para conversar
Mas pelas costas, dizem que Fulano tem “a energia pesada”.
E falam de suicídio,
Como se fosse simples,
Como se não fosse delicado…
Como se não existissem doenças mentais,
COMO SE FOSSE POBREZA DE ESPÍRITO!!
Como se “amor próprio” fosse uma droga vendida em qualquer esquina…
AMOR PRÓPRIO VIROU RECEITA DE BOLO AGORA, FOI?
FALA DE PREVENIR SUICÍDIO
SÓ FALA DE AMOR PRÓPRIO
E AINDA ESQUECE DAS DOENÇAS MENTAIS
PORQUE DOENÇA MENTAL HOJE EM DIA É TABU
Mas você precisa se amar mais…

DIGA COMO!
ME FALE, Ó GRANDE GURU DA AUTOESTIMA
DIGA COMO ME OLHAR NO ESPELHO E GOSTAR DO QUE VEJO
DIGA COMO NÃO ME SENTIR REPUGNANTE
DIGA COMO ESQUECER AQUELA BESTEIRA QUE FALEI HÁ CINCO ANOS!
DIGA COMO ARRUMAR FORÇAS PARA LEVANTAR DA CAMA!
DIGA COMO! EU INSISTO!
Diga como… Como eu consigo fazer uma atividade cotidiana, a mais básica… Sem que minhas energias acabem completamente…
QUANDO MAL POSSO PRESTAR ATENÇÃO AO MUNDO EM MEIO A TANTOS GRITOS DA MINHA CABEÇA
QUANDO RESPIRAR É DIFÍCIL
PORQUE MEUS PENSAMENTOS RUDES
SÃO
ALTOS
DEMAIS
E OS SENTIMENTOS HOSTIS TORNAM O DESERTO DA MINHA MENTE UM LUGAR INÓSPITO
(o deserto amarelo como o setembro)
ONDE NEM FLOR NASCE!
NEM MESMO UMA ERVA DANINHA?

(estou cansada…
Recolho-me, deito em posição fetal)
Minha cabeça não descansa,
Meus olhos não páram…
As cores não são mais vívidas,
Nem mesmo o amarelo do setembro!
(e penso em desistir, em me machucar, afinal o mundo provavelmente será melhor sem mim)

VIVO SUFOCADA,
Pressa no pesar da minha própria existência
E dói, e pesa…
E me canso do peso de quem sou
Quero sair de mim!
Mas é claro que não consigo…
(suspira, deixa seu peso cair no sofá)
Preciso me amar,
Não posso ser outra pessoa, afinal.
Não tenho outra escolha.
Ceder à morte, nunca.

Na rádio, ouço pela segunda vez ao dia “Hey Jude” tocar…
“You don’t have to carry the weight of the world on your shoulder...”
Nem ele, nem eu, nem ninguém.
Considero isso um sinal do Universo,
Para viver um dia de cada vez,
Tentar aprender a me amar,
Um passo de cada vez,
Uma pequena (ou grande) felicidade de cada vez,
Plantando um girassol em cada passo de meu trajeto,
Respiro!
Uma vitória por vez.
Calando as caraminholas da minha cabeça pouco a pouco…

Ah, o chá esfriou…
Agora posso bebê-lo.
Talvez a camomila me acalme…
Engraçado que camomila é amarelo, né.
Amarelo, Virgínia.
Que nem setembro amarelo.

(mas todo dia é dia de lutar
contra os vilões dentro de nós)