Estou por escrever essa carta há um mês e ainda não sei se devo
escrever à Tragédia ou ao Teatro das Cabras. Na verdade, essa carta
espera para ser escrita há exatamente um mês, sete dias e algumas
horas. Bem preciso, do jeito que peritos gostam. Do jeito que a
perita da Tragédia gostaria, né?
Acho
que escrevo à Tragédia Mais Insignificante do Mundo, ao Teatro das
Cabras e quem mais quiser ler. Se vier, venha na paz. E de coração
aberto. Acho que vou começar pelo fim.
O
Teatro das Cabras é formado por mulheres. Que coisa linda e forte,
não? Que delícia ver outras mulheres parindo suas obras de arte e
as colocando no mundo! Chega dá vontade de fazer o mesmo! Chega dá
vontade de resistir, de lutar, de eu mesma fazer as minhas criações
e deixá-las pelo mundo! Estar ali, aplaudindo um teatro feito por
mulheres alimentou aquela fome titânica que carrego por resistir.
Por ver outras mulheres resistindo e abrindo seu caminho nessa
estrutura patriarcal na qual vivemos… Chega o cansaço vai embora e
a faísca se transforma num incêndio. Obrigada, Teatro das Cabras!
Tem dias que dá vontade de abandonar tudo e virar artista. O dia em
que eu te vi foi um deles.
Ao
aplaudir aquela pela, refleti algo importante: precisamos apoiar mais
mulheres. Sejam elas artistas, cientistas, professoras, advogadas,
escritoras, médicas, QUALQUER PROFISSÃO! Existe muita mulher
fazendo um trabalho incrível por aí e a gente nem sabe. Precisamos
também apoiar mais quem tá perto da gente. Essa reflexão é quase
um apelo, um grito de socorro, UM GRITO DE GUERRA! Precisamos nos
desvencilhar de costumes enraizados em nós de não consumir o que é
produzido por mulheres. Isso me lembrou um post que vi em algum lugar
da internet, sei lá quando, que basicamente dizia que não temos o
costume de estudar, ler ou assistir nada que seja feito por mulheres.
Reflexão feita, digo logo que o Teatro das Cabras é uma boa forma
de quebrar essa construção. Está feito o convite.
E,
sim, eu tinha começado pelo fim. Isso foi o que eu refleti enquanto
batia palmas para vocês, Teatro das Cabras. E depois também. Quando
cheguei em casa, quando conversei com meus amigos sobre o que vocês
criaram, quando eu vivi após a morte daquelas cabras. Agora, de
volta ao início.
Eu
sinceramente não sabia o que esperar, só sabia que ia ser bom. E aí
veio o carimbo de cabra. É o ingresso. A pessoa já sente o amor de
todas as pessoas que criaram essa peça já na primeira carimbada.
Entra, senta em seu lugar, spoilers!
As
cabras já estão mortas. Tem uma música tocando, uma música que
causa um aperto no peito, a respiração fica mais curta, é uma
agonia, é uma escuridão pisando em você, que já tá bem
pequenininho… E você já não sabe se elas estão mortas ou não.
É uma versão refinada do horror, como se estivessem sendo mortas
ali, na sua frente. Talvez estejam mesmo. Mortas as cabras, entra a
perita. Um dia comum, um homem matou suas cabras. Ele pode, né? As
cabras são dele, afinal. Uma cabra em especial me incomodava: ela
estava suspensa por correntes, o que me fez lembrar de Fernanda me
dizendo em uma de nossas conversas “Luma, arte às vezes tem que
incomodar mesmo”. E incomodava. Mas eram só cabras, não?
O
olhar alternava entre a cabra suspensa e a perita. A mente estava
focada em entender se as cabras eram realmente cabras. Mas o que
seriam se não cabras? Mulheres? Minha mente foi parar em “Os
Homens Que Não Amavam As Mulheres”, lido em 2010. À Tragédia
Mais Insignificante do Mundo: você me fez viajar no tempo! Minha
mente era um jogo de tênis de mesa, juntando minhas vivências com o
que a perita refletia em cena. Não dava para não olhar para ela, ao
mesmo tempo que não dava para não pensar. Consegui visualizar bem
as críticas à masculinidade tóxica intrínseca à nossa sociedade
e ao feminicídio. Eu estava convicta de que elas estavam lá, até
que toda a convicção me abandonou. E aí voltou. É pra se
questionar, mesmo! É pra escutar o que a perita tem a dizer! É pra
se deixar levar pela narrativa proposta pela Tragédia.
De
repente, fiquei com medo de me tornar uma cabra. Acho que todas as
mulheres tem. Todas nós somos cabras em potencial. Somos
assassinadas e violadas com tanta frequência que nossas mortes se
tornam tragédias insignificantes para o mundo. Apenas mais um dado.
Eu gosto de história assim: que esconde mil segredos e reflexões.
Eu gosto de histórias que me fazem sentir.
Pronto,
aqui está o final do início.
Mas
eu nem disse tudo o que eu queria dizer, porque eu gosto é do
mistério.
O Teatro das Cabras retorna com "A Tragédia Mais Insignificante do Mundo" nos dias 22 e 23 de Novembro, no Espaço A3 em Natal/RN. O valor do ingresso é de R$ 40,00 (inteira) e 20,00 (meia). Para mais informações, é possível consultar o instagram: @teatrodascabras