domingo, 4 de maio de 2014

A estranheza do relacionamento na visão d'Ela

“Você conseguiu assistir ‘Ela’ todo?”, perguntei.
“Já assisti duas vezes.”, foi a resposta.
Estava no clima de assistir um filme diferente, um romance... Deixar a rotina de filmes de ação ou suspense, até mesmo as comédias americanas estilo “American Pie”. Não, um romance dessa vez seria bom. E por que “Ela”? Porque Joaquin Phoenix. Só por isso.

Comecei a ver o filme e já estava de coração partido, três minutos de filme foi o suficiente para me causar esse sentimento: Theodore trabalhava numa empresa que “vendia” cartas. Ele escrevia cartas de amor, de pedidos de desculpas, cartas saudosas, cartas de congratulações, todo tipo de carta. Cartas delegadas a ele, muitas vezes, desde o início do relacionamento de um casal. Haviam terceirizado os sentimentos.

Pensei: “Este é o outro lado da moeda da tecnologia... Ao mesmo tempo que ela pode aproximar pessoas, ela também pode afastá-las. A tecnologia pode destruir o romantismo do mundo, pode acabar com tudo o que é romântico.”

As pessoas não mais diziam o que sentiam de forma verdadeira, tinham que mandar outra pessoa fazer isso, porque não tinham tempo, ou porque não sabiam escrever e colocar o que sentiam no papel. Passei a me perguntar quantas pessoas já fazem esse tipo de coisa hoje, quantas pessoas escrevem os sentimentos de outros, e os entregam de bom grado para outra pessoa... É como se fosse um triângulo amoroso, mas no qual só duas pessoas sentem. Quem escreve as cartas, e quem as recebe.

Talvez seja loucura minha, até um pouco de ilusão, querer que as pessoas sejam mais gentis, que sejam mais carinhosas e falem mais “Eu te amo”. Até porque é difícil... Eu sei que é difícil porque tento fazer isso todo dia. E nem sempre tenho sucesso.

Outra coisa louca que percebi foi que estava me afundando em preconceito ao pensar: “Não acredito que ele está apaixonado por um computador!”, mas depois parei para pensar ao fim do filme. Percebi que o que o filme tenta mostrar é a estranheza de um relacionamento hollywoodiano e, muitas vezes, da vida real: você conhece a pessoa, passam um tempo juntos, então um dos dois diz algo que causa uma pequena epifania, algo que te faz pensar na pessoa de uma forma diferente. Então, em algum momento, vocês se apaixonam. Ou então, vocês tomam conhecimento desse sentimento. Aí vem aquela montanha-russa de sentimentos, o frio na barriga e todos aqueles clichês que sabemos quais são, mas que são apenas respostas do nosso cérebro a certos estímulos de forma romantizada. E quanto mais tempo vocês passam juntos, mais vocês se apaixonam um pelo outro, todo mundo já sabe disso.

Aí vêm as flores, os recadinhos amorosos, as fotos nas redes sociais com longas declarações de amor, as mensagens deixadas de batom vermelho no espelho do banheiro...

E, certo tempo depois, vem a decadência. Tudo tem seu ápice, e tudo tem seu declínio. Às vezes, o declínio é tão rápido e brusco, que é como uma queda livre, como se as cordas que seguram e movimentam um elevador fossem cortadas. Com a volatilidade dos relacionamentos atuais, estar com alguém muitas vezes acaba por ser uma incerteza: você está com ela hoje, mas não sabe se está amanhã.

Não vejo mais os relacionamentos de antigamente, cuja definição de “acabar cedo” indicava que o relacionamento acabou antes dos 50 anos juntos. As pessoas namoravam (às vezes não, eram obrigadas a casar pelos pais mesmo), noivavam, casavam e ficavam juntos. Mas se me perguntarem, é claro, É ÓBVIO que existem aqueles relacionamentos que conseguem perdurar as crises impostas pelas adversidades da vida, toda aquela história de “Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”, e acabam em casamento, nem que seja para o casal se divorciar três meses depois da data do casório, porque não conseguirem conviver com o outro no tempo integral daquilo que é “estar sob o mesmo teto”. Mas também tem aqueles que só acabam no final da vida, depois de muitos anos juntos, ou às vezes, poucos anos juntos, mas que foram separados por uma fatalidade da vida. “Até que a morte os separe.”, é assim que dizem na hora do casamento, né? Toda a minha admiração para quem consegue fazer isso, esses casais são exemplos a serem seguidos por todos nós.

Mas agora, deixando de lado os casais que  acabam felizes, vamos voltar aos relacionamentos que costumo ver com maior freqüência: vem os ciúmes, as brigas por motivos importantes, ou qualquer outro motivo mesquinho que seja, e você vê um relacionamento construído acabar por besteira. Bons momentos que vocês passaram juntos? Você não consegue lembrar de nenhum. Até porque, para conseguir aceitar que vocês tiveram bons momentos, mas que por força maior, vocês precisaram se separar, é preciso muita maturidade. E é difícil pensar com clareza e maturidade quando se está machucado. Você acaba ferido, o outro também, cada um amuado em seu canto. Evitam até freqüentar os mesmos lugares, para não esbarrar com o outro, num desses encontros casuais que a vida resolve preparar para pregar uma peça em você.

Às vezes a culpa não é de ninguém, às vezes é dos dois. Mas talvez isso não importe muito, quem vai saber ao certo o que importa e o que não importa no momento da briga?

O que importa é que existem coisas que acabam, que passam por nós como um sopro de vento. É assim como relacionamentos, e as pessoas ficam com medo de deixar o outro ir embora, de seguir com sua própria vida, às vezes por ter desaprendido como fazer isso, às vezes por medo de se estar sozinho, ou às vezes pela simples conveniência de ter outra pessoa ao seu lado. Acho que é por isso que as pessoas ficam tristes, quando na verdade, tudo o que elas queriam era se permitirem um pouco de felicidade, uma pequena faísca de felicidade em meio à escuridão da vida cotidiana, cheia de estresse. Para muitos, um relacionamento é uma válvula de escape, afinal, é a presença do outro que vai te fazer esquecer antigos amores, é um jantar especial que vai te fazer esquecer de um dia ruim no trabalho ou faculdade, um gesto de carinho que vai apagar da memória, mesmo que momentaneamente, uma briga com um familiar que se ama muito. Muita gente associa a felicidade a estar com alguém, estar apaixonado por alguém. Sinto que não posso culpar ninguém por isso.

Foi então que percebi que, na verdade, “Ela” trata disso tudo. É o “Ou você está comigo ou não está.”, mesmo que isso tenha como resposta um “Eu estou com você e não estou com você.”, porque um dos indivíduos do relacionamento é um sistema operacional que está apaixonado por mais 641 pessoas. Até porque isso acontece na vida real, segundo me disseram... Um minuto, você está apaixonado por uma pessoa só e, quando menos percebe, tem outra pessoa em sua vida que você também ama. Não vou adentrar nesse dilema.

No final das contas, “Ela” usou voz maravilhosa de Scarlett Johansson, quando poderia ter usado a atriz em “carne e osso”, para contar uma história qualquer: o casal se conhece, se apaixona, e eles terminam por algum motivo. Mas por se tratar de uma personagem diferente, por apenas ouvirmos sua voz, e nunca vermos seu rosto, por se tratar de uma relação mais  sentimental e menos física, é uma história que nos faz parar para refletir por certo momento.


Bem, isso ou talvez seja só aquela sensibilidade causada pela madrugada numa garota que acaba por escrever algumas palavras que talvez nem façam sentido algum às 03:00 da manhã.