Seja no circo, na imaginação, no mundo dos sonhos ou na vida real,
tem coisa que precisa acontecer. Agora imagine uma apresentação
dupla, mas não duas pessoas apresentando a mesma arte. Ele era do ar
e ela do fogo. Primeiro entra ele, em silêncio. Sua roupa é verde e
a maquiagem azul, quase como o contraponto entre terra e ar, como se
ao tirar os pés do chão, pudesse virar parte do ar. Como uma
mágica. Em seu rosto, glitter azul, para realçar seus olhos verdes.
Lentamente levou a mão na direção da lira. Tocá-la era como um
chamado para ela entrar. No segundo em que seu dedo encostou no ferro
gelado,
Ela
entra.
Veste
uma capa vinho e em seu rosto, runas.
Ansuz,
Berkana, Raido e Othila.
Luz,
Crescimento, Movimento e Conexões.
Significados
que não precisavam ser explicados verbalmente, só de olhar as
runas, ele entenderia a mensagem. Entenderia a história da jornada
deles que os levara até ali. Não precisavam falar toda vez que
queriam conversar. Usava uma coroa de galhos, como se fosse um ninho
de passarinhos. O cabelo cacheado vermelho solto, balançando ao
vento. Pisava firme no chão, parecendo uma anciã. Fogo, ar e terra.
Nas mãos dela havia uma vela acesa dentro de um pote de vidro. Ela
abaixa e, quando o pote toca o chão… NO MESMO EXATO SEGUNDO, os
pés dele sobem ao ar.
Começa
a música, “Desperado”.
Lentamente
ele inicia seus movimentos e o lugar se ilumina quando a clave dela,
que parece um leque, se enche de fogo. Abandona a capa vinho. Sua
roupa por baixo é preta. Sempre preta. E assim começa.
“And
you ain’t leaving me behind...”
Os
movimentos antagônicos dos dois é confortante, como se tivessem
sido feitos para isso, Como se tivessem se encontrado para viver
aquele momento. Quando o pé dela saía do chão, o corpo dele caía
na lira e suas mãos se aproximavam do chão. A dança com fogo dela
parecia fazer parte da dança com ar dele e vice-versa. Se
completavam à maneira deles. Eu não sabia para quem olhar e não
queria perder nem um segundo. Na verdade eu gostaria de poder ver
aquilo de novo, de novo e de novo.
Parecia
que eu estava sentado vendo aquela dança desde o início dos tempos
e que a vida nunca iria acabar. Quantos de mim fui nessa música? Em
quantas vidas antes eles já haviam se encontrado? Pareciam ser
apenas um, versões diferentes de uma mesma pessoa que já havia
vivido demais mas que também não tinha visto nada do mundo. Eles
pareciam mensageiros da lembrança de que nessa jornada não estamos
sós. Me senti parte deles e os acolhi como uma parte de mim que
ainda hei de conhecer.
“But
I don’t wanna be alone.”
E
termina a música.
Ainda
silêncio.
Por
que ninguém está aplaudindo, quando todo o meu corpo vibra em
resposta ao que estou vendo e sentindo? Faltava algo. Minhas mãos
estavam a um segundo de explodir numa palma.
Foi
quando ela cuspiu fogo, INCENDIANDO A LIRA, COM ELE LÁ EM CIMA! Ora,
que triste maneira de acabar com algo tão bonito, com uma tragédia!
Terra,
ar e fogo.
Mas
ele não queimou. Ele não se foi, ele não morreu. De onde eu estava
conseguia ver seu sorriso. Parecia calmo. E eu sentia, aliás, eu por
pouco quase podia sentir sua dor… Só que não doía. O fogo nos
acolheu e confortou. Há aconchego no fogo. Então queimamos e
renascemos de nossas cinzas que nem chegaram a existir. Intocados.
Como mágica. Até hoje não sei se aquilo foi real ou delírio, Mas
tem coisa que precisa acontecer. Seja no circo, na imaginação, no
mundo dos sonhos ou na vida real.
Precisa
acontecer.
(nós
iremos acontecer em todos eles)