terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Sem data para ficar


“Eu costumava achar que...”, pausa a fala para lamber a seda. “Eu achava que era amaldiçoada, sabe?”, falava calma enquanto batia a ponta do cigarro na mesa, “É pra espalhar e deixar mais equilibrado.”, estava mais calma desde que deixou o cigarro. O kumbayá era bom pra esquecer a dependência, e pra ansiedade. Dormia melhor agora. Gosta de ter o cigarro de kumbayá queimando em sua mão. É estético.

Costuma conversar sobre a vida num tom casual, nem nem tirar os olhos do que está fazendo.
“Sei lá, parecia algo de outras vidas. Todo mundo por quem eu já me apaixonei foi embora. Ir embora, que eu digo, é ir para outro lugar, e não acabar comigo e a gente nunca mais se ver.”, diz colocando o cigarro na boca. A chama do isqueiro acende seu rosto. O cheiro de camomila queimada inunda o lugar.

“Não lembro de uma pessoa que tenha ficado.”, não lembra porque não existe. Nunca amou ninguém que fosse ficar. Parecia que quando dizia “Eu te amo”, era como estar dando uma passagem só de ida de presente. Gostava de rir disso, dizendo que, se fosse personagem de uma comédia romântica, o clímax do filme seria que um motorista não a viu gritando na rua de braços abertos e olhando para o céu “EU SOU O QUÊ? A PORRA DE UM AEROPORTO, UMA RODOVIÁRIA DO AMOR, POR CERTO?” e BAM! Atropelada. Acorda no hospital. Só que ao olhar o quarto, não tinha flores. Nem um par romântico preocupado com o estado de saúde dela. Porque, bem… Não havia par romântico. Ele foi embora.

“E tá tudo bem ele ir, é o sonho dele.” e não teria coragem de pedir para dicar. Seria egoísta e injusto. Ela mesma não ficaria. “Mas o que me faz acreditar na maldição é que TODAS as pessoas que eu amei, foram assim. TODAS! Parece que todo amor que me vem tem data de validade. E eu só queria saber como é não saber.” Queria acordar todo dia na incerteza de que aquele é o último. Queria dizer que ama sem saber quando vai ser a última vez que vai dizer isso. Só uma vez gostaria de provar o doce sabor da ignorância.

“Eu às vezes só queria alguém que não sabe quando vai embora, que sequer sabe se vai embora! Alguém que não precise se apressar para se despedir. Claro que isso tem suas vantagens. A minha bênção dentro da maldição é que eu posso amar loucamente porque eu sei que vou ser deixada. Posso ser imprudente e exagerada e está tudo bem. Não preciso ter medo. Mas não consigo evitar, fico me perguntando como seria fazer tudo isso só por fazer e não porque tenho uma data limite. Tem umas magias que só passam com amor verdadeiro, né? Foi isso o que os Contos de Fadas nos ensinaram? Só o amor vai salvar o mundo...”, dá uma risada sarcástica. “Eu gostaria de não sentir isso mas eu sinto inveja de quem não sabe o que vem no dia de amanhã.”, tentou de tudo pra se livrar dessa maldição. De banho de mar ao celibato, passando por sessões de terapia TODA.SEXTA.ÀS.CINCO!!!


Até que desistiu de tudo.
Foi assim que percebeu que odiava saber o seu futuro.
Não pensou em mais nada.
Assim mesmo, num final brusco e inesperado.
Aliás, essa história ainda não tem final.
Até o próximo que vier já sabendo quando vai.



- dez, 2019.