“Eu costumava achar que...”, pausa a fala para lamber a seda. “Eu
achava que era amaldiçoada, sabe?”, falava calma enquanto batia a
ponta do cigarro na mesa, “É pra espalhar e deixar mais
equilibrado.”, estava mais calma desde que deixou o cigarro. O
kumbayá era bom pra esquecer a dependência, e pra ansiedade. Dormia
melhor agora. Gosta de ter o cigarro de kumbayá queimando em sua
mão. É estético.
Costuma
conversar sobre a vida num tom casual, nem nem tirar os olhos do que
está fazendo.
“Sei
lá, parecia algo de outras vidas. Todo mundo por quem eu já me
apaixonei foi embora. Ir embora, que eu digo, é ir para outro lugar,
e não acabar comigo e a gente nunca mais se ver.”, diz colocando o
cigarro na boca. A chama do isqueiro acende seu rosto. O cheiro de
camomila queimada inunda o lugar.
“Não
lembro de uma pessoa que tenha ficado.”, não lembra porque não
existe. Nunca amou ninguém que fosse ficar. Parecia que quando dizia
“Eu te amo”, era como estar dando uma passagem só de ida de
presente. Gostava de rir disso, dizendo que, se fosse personagem de
uma comédia romântica, o clímax do filme seria que um motorista
não a viu gritando na rua de braços abertos e olhando para o céu
“EU SOU O QUÊ? A PORRA DE UM AEROPORTO, UMA RODOVIÁRIA DO AMOR,
POR CERTO?” e BAM! Atropelada. Acorda no hospital. Só que ao olhar
o quarto, não tinha flores. Nem um par romântico preocupado com o
estado de saúde dela. Porque, bem… Não havia par romântico. Ele
foi embora.
“E
tá tudo bem ele ir, é o sonho dele.” e não teria coragem de
pedir para dicar. Seria egoísta e injusto. Ela mesma não ficaria.
“Mas o que me faz acreditar na maldição é que TODAS as pessoas
que eu amei, foram assim. TODAS! Parece que todo amor que me vem tem
data de validade. E eu só queria saber como é não saber.” Queria
acordar todo dia na incerteza de que aquele é o último. Queria
dizer que ama sem saber quando vai ser a última vez que vai dizer
isso. Só uma vez gostaria de provar o doce sabor da ignorância.
“Eu
às vezes só queria alguém que não sabe quando vai embora, que
sequer sabe se vai embora! Alguém que não precise se apressar para
se despedir. Claro que isso tem suas vantagens. A minha bênção dentro da maldição é que eu posso amar loucamente porque eu sei que vou ser deixada. Posso ser imprudente e exagerada e está tudo bem. Não preciso ter medo. Mas não consigo evitar, fico me perguntando como seria fazer tudo isso só por fazer e não porque tenho uma data limite. Tem umas magias que só passam com amor verdadeiro, né?
Foi isso o que os Contos de Fadas nos ensinaram? Só o amor vai
salvar o mundo...”, dá uma risada sarcástica. “Eu gostaria de
não sentir isso mas eu sinto inveja de quem não sabe o que vem no
dia de amanhã.”, tentou de tudo pra se livrar dessa maldição. De
banho de mar ao celibato, passando por sessões de terapia
TODA.SEXTA.ÀS.CINCO!!!
Até
que desistiu de tudo.
Foi assim que percebeu que odiava saber o seu futuro.
Foi assim que percebeu que odiava saber o seu futuro.
Não
pensou em mais nada.
Assim
mesmo, num final brusco e inesperado.
Aliás,
essa história ainda não tem final.
Até
o próximo que vier já sabendo quando vai.
- dez, 2019.