segunda-feira, 23 de março de 2020

Distanciamento Social #1


Decidiu contar o passar do tempo no distanciamento social por noites.
Começou a contar os dias pelo passar das noites.
O tipo de coisa que sempre faz rir, um joguete com palavras.
E precisava de riso nessa noite.
Precisava deixar tantas coisas que amava de lado
Em prol do bem maior, POR TEMPO INDETERMINADO!
Não saber é o que permite a ansiedade voltar
Não saber é o que mata aos pouquinhos,
Que faz com que esse monstro gosmento da ansiedade mais uma vez
Se instale no peito até que tantas partes de si fiquem tão enferrujadas
MAS TÃO ENFERRUJADAS...!
Que se deterioram até cair de nós.
Seu mundo cheio de deliciosas incertezas sabor doce de leite foi abalado,
Não saber dói nessa noite.
Se despede de sua vida, ainda que temporariamente.
Taí, uma despedida que dói,
Ser obrigada a dizer “O mundo não é mais minha casa por enquanto”
E reduzir uma liberdade à sua casa.
O que não seria um problema normalmente se ainda pudesse escolher ficar ou sair.
Não ter escolha é amargo.

Tomou um chá de kumbayá, nada de mais: camomila, amora, erva doce e hortelã.
Refresca e acalma.

Foi para o quarto, acendeu uma vela depois de rezar por proteção
Proteção a si e aos seus,
Deitou e esperou.
Achou que o kumbayá estava forte demais.
Logo sentiu uma leveza tão forte, quase como uma embriaguez,
Que loucura é essa, de onde algo leve pode ser também forte?
Mal notou que seu corpo se mexia,
Levantou da cama, chamou suas dores para dançar.
Elas não estão indo a lugar algum, então que ao menos dancem conosco!

“A vida é isso, né.”, havia dito mais cedo na terapia “Não é viver sem dor, porque isso não existe, mas harmonizar o viver com a felicidade e a dor, justamente porque tudo passa e a vida acontece, eu querendo ou não. Apesar do que tenho ou não. E uma hora essas dores de agora já não vai doer mais e eu seguirei vivendo. É isso o que eu faço.”, gostaria de ter falado mais mas o tempo da sessão já tinha acabado. Talvez retome esse assunto eventualmente. Quando puder.

E sob a luz do fogo, seu corpo se movimentou
Ao som de “Miss You”, dos Stones.
Essa memória gostosa também vai passar, tudo passa.
Foi uma noite bem dormida.
Nessa noite os pesadelos não vieram.
É a primeira noite de sabe-se lá quantas.