segunda-feira, 9 de março de 2020

Quando nascem as rosas

Nasci em meio à dor.

Quase chorando, como um recém nascido saindo do ventre de sua mãe.
Mas não fui expelida, brotei.
De uma semente, criei raízes, um talo e folhas. E pétalas. Vermelhas.
Sou uma flor. Uma rosa vermelha.
Nasci com a dor de um corte.
Nasci quando devia ter morrido.
A dor da vida, né.
Consciência.
Fui colocada com tantas outras, de tantos tamanhos, formatos e cores diferentes dos meus na parte de trás do caminhão.
Fecha porta. Sombras.
Não vejo o Sol.
Não o vi por muito tempo desde que nasci, mas minha vida foi mais feliz por tê-lo visto.
Balançamos levemente, conforme o movimento do carro.
Não sei medir o tempo.
Para uma rosa, o tempo passa diferente.
Vivo minha vida inteira em uma semana, é o suficiente.
Abre porta, o Sol. Ah, o Sol! Que delícia!
Olho um pouco para cima, sentindo o calor do Sol e sou levada para as sombras mais uma vez.
Sou colocada numa camisa apertada e me jogam num depósito frio e sem luz para aguardar.
Lá, espero. Não há o que fazer além disso.
As rosas são pacientes.
Tem que esperar até que alguém goste de mim e me leve.
Que coisa, né.
Esperar pela conexão certeira. Vai acontecer um dia, eu sei que vai. Só espero que aconteça logo, estou ávida por este encontro.
Preciso que alguém me leve e, ao ver minhas vizinhas sendo levadas, a ansiedade vai tomando conta de mim.
Me sinto inútil.
E aguardo.
E me sinto incapaz.
E espero.
E caio em desespero.
Só quero me livrar dessa camisa.
Me aperto na ideia de ser grande demais para essas amarras.
Passo frio nas sombras e me deleito aos poucos momentos de Sol.
Descobri que gosto da mistura do calor do Sol com o frio de onde estou.
Não gosto das sombras, mas me acostumei aos raros momentos de luz.
Espiralo nos ciclos da vida, me afogo, afundo e caio.
Precisei aprender a cair.
Foi difícil, entre brigas de ego e dores de autodepreciação,
Ninguém me escolhe! Qual o meu problema?
Esperneio na camisa de força.
Até que enfim, uma mão me pega,
FUI ESCOLHIDA! Comemoro.
Me despeço das minhas desprezíveis vizinhas, vomito algumas palavras em xingamento.
Não havia necessidade mas eu fiz porque não aguentava mais.
Estava sufocada com tantas invadindo meu espaço.
As palavras que não dizemos tem que ir pra algum canto, né.
Ou então ficam à espreita, como um predador pra dar o bote. Só... Esperando o momento certo.
A mão me tira de minha prisão, depois, me despe, tirando de mim aquela camisa apertada e na qual eu já há muito não cabia.
Me espreguiço, alongando minhas pétalas.
Diante da liberdade, desabrocho.
Sou paparicada e me deixam bonita.
Me colocam com duas outras parecidas comigo em um buquê.
Estou feliz.
Sou feliz.
Agora tenho meu propósito.
Sou agora o que sempre sonhei ser: boa e bonita o suficiente para ser exposta como um bibelô.
É para isso que flores servem, né? Demonstrar afeto, um pedido de desculpas, uma despedida...
Dizem que o ato de enviar flores vem da Grécia Antiga e eu não duvido. Os caras criaram tudo!
Sou recebida por um belo sorriso e fico satisfeita em saber que meu propósito inclui fazer outros felizes em meu caminho.
Sou colocada num vaso com água.
Água é bom. É refrescante.
Passo minhas horas feliz por ter encontrado meu propósito igual a tantas outras antes de mim.
Ao longo desse caminho de satisfação, vivo perdendo partes de mim ao longo dos dias, murchando até o Destino Final, porém perfeitamente satisfeita com minha vida tão meio tanto faz, tão meio medíocre.
Invejo aquelas cujos destinos foram diferentes dos meu, mas digo a todos e, principalmente, a mim mesma, que eu mereço estar onde estou. Admitir que um lampejo de inveja passou por mim é como perder um jogo. Não sei admitir quando erro, muito menos consigo admitir que minha autoestima não é lá essas coisas. É uma humilhação pela qual não irei passar! Me recuso!
Rio desvairadamente!
E perco partes de mim.
Murcho.
Até não haver mais nada.
Nem Sol,
Nem luz,
Nem vida.
Nasci em dor e morro na paz de ser murcha e incompleta.
A vida de uma rosa tem sabor de maçã.