quinta-feira, 26 de março de 2020

Pandemia


O dedo bate nervoso na mesa.
Não faz barulho porque havia roído as unhas na noite anterior.
Ansiosa, né.
E ainda bem! Um “ainda bem” seguido de todas as exclamações possíveis,
Porque o barulho da unha batendo na mesa seria demais.
Irrita só de pensar!
Tá bom já de nervosismo, já basta o dedo
E o coração.
Mas pudera não estar nervosa!
Hoje realizaria seu maior sonho:
Enviar uma mensagem a todos os seres humanos da Terra.
Todas as pessoas do mundo haviam se reunido para ouvir sua mensagem
Em praças, bares, cinemas, shoppings, casas…
Todos aguardando aquela mensagem importante de coração aberto.
Não podia errar, essa oportunidade não volta jamais.
Coisa importante, mensagem importante de paz e amor.
Respirou fundo, colocou o nariz de palhaço para ter coragem e apertou o botão do microfone:
O grito veio de seus pés, talvez tenha vindo até de outras vidas.
Aí vem:


“EU QUERO QUE VOCÊS TOMEM NO CU CARALHO!!!!!!!!!!!!!!”


Era o suficiente.
Tem dias que a pessoa acorda assim.
Mensagem de paz a que, a traiu, silenciou e amou.
Uma risada na cara de quem fala que mulher não pode falar palavrão.
Assim mesmo: ácido, sórdido, depravado, TRANSGRESSOR!
Gritou com todas as suas forças, com as forças de todas as suas vidas passadas e que estão por vir
Gritou a seus amados, desafetos, conhecidos e desconhecidos
(des)Governantes e (des)governados,
Foi uma boa mensagem, daquelas que dizem pouco mas falam muito, cheia de significado.
Lá fora, era um belo dia, que pedia por uma mensagem igualmente bela.
Tem dia que mandar o mundo ir tomar no cu é lindo. Um ato de amor.
Naquele momento, gritou tanto que sua voz se exauriu
E nunca mais disse uma palavra sequer no resto de toda a sua vida.
Não havia mais o que dizer.