No meio de uma conversa com
um conhecido, comecei a falar dos meus dois melhores amigos.
“Uma combinação engraçada,
vocês três.”, ele disse. “Uma lésbica, um gay e uma heterossexual.”
“Por que somos engraçados?”,
perguntei já imaginando o que estava por vir.
“A lésbica não dá em cima de
você, não? E o gay escolhe suas roupas quando vocês vão sair?”, ele comentou
num tom de deboche.
E eu poderia ter dito várias
coisas, poderia ter brigado com ele, mas eu sabia que a culpa por esse
comentário ridículo não era só dele. Era de toda uma construção histórica e
social, formada por preconceitos idiotas. E, apesar de ser heterossexual, esse
comentário me atingiu profundamente. Porque eu amo meus amigos do jeito que
eles são, sem tirar nem pôr.
Eu não queria ter que
explicar, mais uma vez, pela milésima vez, que só porque eu tenho uma amiga
lésbica, ela vai se apaixonar por mim. E que só porque um amigo meu é gay, ele
vai escolher minhas roupas (apesar que às vezes eles tem um gosto muito melhor para roupas).
Explicar que são seres
humanos também, e não aliens, que eles pagam contas como qualquer outra pessoa,
que eles nasceram como são. Que entender isso é tão simples quanto entender e
aceitar que há pessoas no mundo que amam ler e outras não. Ou que há pessoas
que odeiam vegetais desde crianças. Entender é simples, mas as pessoas não
querem deixar de lado os preconceitos, para ter uma chance de conhecer as
pessoas como elas são, e se permitir de ter ótimas amizades.
Ora, se eu sou mulher e tenho
amigos homens, os vejo falar sobre mulheres, então qual o problema de uma amiga
falar sobre mulheres também? E qual o problema em ter um amigo falando sobre
outros caras, se eu também falo sobre outros caras? Se dizem que é possível
haver amizade entre sexos diferentes, teoria da qual também sou adepta, por que
não pode haver amizade entre opções sexuais diferentes?
Para quê tanto ódio e
preconceito, quando eu posso estar com pessoas que me aceitam, em todas as
minhas estranhices, com todos os meus defeitos, neuroses e loucuras? Amigo é
amigo, não importa cor, raça, sexo, opção sexual, nacionalidade ou espécie. Ou
eu seria melhor do que eles só porque a minha opção sexual é a que segue os
padrões estabelecidos na Bíblia, enquanto é esta mesma Bíblia que diz para
amarmos ao próximo como amamos a nós mesmos?
Se a opção sexual de alguém
for um defeito, aos olhos dos outros, somos todos defeituosos.
“Nós respeitamos as nossas escolhas.”,
respondi secamente. “Porque é disso que uma amizade é feita. Respeito, acima de
tudo, apesar das brincadeiras. E às vezes meu amigo gay escolhe minhas
roupas... Não é culpa minha se ele tem mais senso de estilo do que muita gente
por aí.”
E, parando para pensar, somos
mesmo uma combinação engraçada. Mas somos a melhor combinação que eu poderia
ter. É a melhor combinação para mim... É a melhor para curar minhas dores, exorcizar
meu demônios e afastar todos os meus medos. E, se isso não for uma amizade, eu
não sei mais o que é. E também prefiro ficar com as pessoas que me fazem bem,
com a “combinação engraçada”. Porque opção sexual nunca, sob hipótese alguma,
deveria ser parâmetro para medir o caráter de uma pessoa, nem quanto amor ela é
capaz de te oferecer.
Estamos muito presos a essa
história de “dever-ser”, estamos nos deixando levar pelos nossos preconceitos,
e não estamos indo a lugar algum... Porque só acredito que estaremos
progredindo quando eu vir os ensinamentos de John Lennon sendo colocados em prática,
quando negros pararem de ser chamados de “macacos”, “neguinhos” e coisas do
tipo... Quando uma pessoa que vive com outra do mesmo sexo puder adotar uma
criança e dar o amor que toda criança merece, ao invés de vê-las nas ruas ou em
orfanatos, mal cuidadas, mal amadas e abandonadas no mundo, como se tivessem
sido esquecidas por Deus.
Quando eu puder ir ao
casamento da minha melhor amiga e puder chorar litros durante a cerimônia. Que
criem uma nova religião, se preciso for! Que criem um novo país, onde pessoas
sem preconceitos e sem frescurites possam morar juntas, e viverem o tão sonhado
"Felizes para sempre". Só assim eu direi que estamos evoluindo e nos
tornando pessoas melhores, abandonando nossos preconceitos.
Foi assim que um simples
diálogo na fila do pão se tornou numa média e patética reflexão sobre algo que
todos já sabemos, mas ninguém quer admitir. Ou quer perceber que é assim que as
coisas deveriam ser.
- a.s.
- a.s.