quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Um presente.

Um grilo, uma águia e uma raposa.
Perdão, liberdade e proteção.

Com o grilo, foi uma memória.
Ali, observando aquela vela, ouvi a cantiga do grilo.
Não via mais nada, nem as plantas ao meu redor,
Nem ouvia os irmãos por perto,
Éramos só eu e o grilo, quando fui imediatamente
(e subitamente!)
Transportada para memórias que habitavam em mim
Cuja presença eu desconhecia totalmente:
Lá,  nas profundezas de minhas lembranças
Estava eu, aos meus vinte e cinco anos de idade,
Em pé, vendo uma versão de mim tão mais nova, 
Tão mais inocente...
Senti em meus pés as pedras que ficavam na frente
Do quarto da casa de praia dos meus pais
(que saudade desse lugar!
há quantos anos não o visito?)
Onde eu assistia televisão com meus pais:
Uma entrevista com Jean Claude Van Damme.
Eu não sabia quem ele era, 
Mas seus óculos amarelos chamaram minha atenção.
E de repente, minha atenção se desviou para o grilo
Eu não podia vê-lo, mas o ouvia.
Foi quando perguntei à minha mãe o que era aquele barulho.
"É um grilo.", ela me respondeu.
"A gente pode matar?", foi minha resposta.
Acho que eu queria que o barulho parasse.
Eventualmente, o cantar do grilo se transformou em paz.
A memória, então, se esvaiu de mim,
E retornei ao grilo do hoje.
Chorei, pedindo desculpas por ter desejado sua morte,
Por tê-lo rejeitado, um ser tão pequenino, tão inofensivo...!
Perdi perdão à Mãe Natureza.
Ao mesmo tempo que me perdoei,
Me perdoei de todas as culpas que me habitavam, 
Por todos aqueles que amei e não soube amar,
Por todos aqueles que machuquei com um amor infantil, 
Egoísta e orgulhoso!
Me desculpei com todos, e me perdoei por todos.
Memória e perdão.
Descobri que "perdão" é uma palavra linda,
E sua efetiva ação é um presente que você dá a si mesmo.

Com a águia, foi uma transformação.
Foi livrar-me de amarras,
De um sentimento que não devia me pertencer.
(mais uma vez, aquela parcela de culpa
dessa vez, por ter deixado alguém que eu não queria deixar
a dor do abandono sentida por quem partiu
quem parte também sofre às vezes
e em mim, doeu demais)
Estava quase dentro da fogueira, foi o que disseram.
Sentada na minha "posição de pajé", como gosto de dizer,
Com o rosto entre as pernas,
Vi minhas mãos se transformarem nas garras de uma águia,
De minhas costas, saíam asas. Minhas asas.
Era eu desabrochando, criando asas para voar para bem longe
Longe daquele que não mais me habitava,
De quem não me fazia mais bem.
Não, não doeu. Não senti, apenas aconteceu, apenas vi.
Por cima do ombro, vi os ossos que formavam minhas asas
Saindo e criando penas.
E de repente, ao me projetar para fora de mim,
Vi os traços de meu rosto se transformarem no rosto de uma águia. 
E me vi voando por florestas, livre, como sempre fui.
Livre, como deveria ter permanecido.
A águia foi a quebra das minhas correntes.
(logo, não estava mais presa a ele)

E a raposa? Ah, a raposa...
A raposa é minha amiga, minha protetora.
Como, eu não sei, mas a informação,
O meu sentimento é que ela está comigo sempre.
Nunca me deixa, sob hipótese alguma.
Num lugar escuro, eu andava.
Apenas eu, iluminada.
Sempre, iluminada.
Mas eu não estava só, nem com medo.
Outra vez saí de mim e me vi 
Caminhando, cheia de luz.
Ao meu lado, andava uma raposa.
Uma raposa grande e branca, cujas patas e rabo eram fogo.
Aquela raposa conhecida pelos Apache 
Como quem presenteou os humanos com o fogo.
Minha raposa de fogo.
Ela me viu ao nos observar de longe.
Lembro que sorri para ela, e ela sorriu de volta.
Foi rápido, apenas um vislumbre.
Logo, eu estava de volta, deitada na minha rede.
Mas ela não me deixou.
Permaneceu e reapareceu para mim,
Seu rosto nítido na fogueira.
Minha raposa do fogo.

Tudo retorna ao fogo,
A ele tudo pertence,
E ele a tudo consome.
Por ele, tudo acabará.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

O porquê de eu ter ido embora para não mais voltar e como me percebi quando me livrei da culpa de ter partido

Desde o dia quando me permiti
Ir embora de você,
Desde a última vez que eu o vi me expulsar
De sua vida, como se eu nada fosse,
Quando disse a mim mesma
"Não volte, você já fez demais."
Quando me veio a epífania de que
Não importa o quanto eu o ame,
Eu nunca poderei me destruir tentando salvá-lo
(ora, esse papel de ser seu salvador pertence apenas a ele mesmo)
Vivi meus dias com um sentimento de culpa:
Talvez eu pudesse fazer mais, ajudar mais,
Afinal, a gente não diz que ama e vai embora 
Quando a gente ama, a gente não abandona
Depois que conhecemos as partes mais sombrias do coração do outro.
A gente fica e dá a mão.
Ajuda a se tornar melhor, a ser melhor.
A ficar mais feliz.
Mas às vezes a gente não tem escolha, e precisamos partir.
(ao barquinho de papel dele, 
ela ofereceu o mar de fogo de seu cabelo ruivo cacheado
e os jardins de girassóis de seu coração
mas foi coisa demais para o barquinho de papel dele
parece que pegou fogo, até virar cinzas)
E ele me mandou partir. Então, fui embora.
Fiz minhas malas, juntei minhas roupas,
Minhas fotografias, minhas poesias, meus livros.
Meu fogo, minha risada até chorar
Peguei minhas correntes, minhas amarras e seguranças e parti.
Lembro de uma querida pessoa dizendo:
"Eu não acho que quem ama volta, porque quem ama 
não vai embora, portanto não precisa voltar."
Mais uma vez, me senti culpada.
Mais uma vez, repeti para mim mesma
Que não posso fazer morada num coração que não me quer.
Sou grande demais para caber na gavetinha dele.
Todo dia,
                t o d o   d i a
Me obrigava a dar mais um passo na direção contrária dele.
Porque a verdade é que 
A gente só ama quem quer ser amado,
A gente só fica com quem quer ficar com a gente,
A gente só ajuda quem quer ser ajudado.
E a verdade é que ninguém aprisiona o fogo,
Nem consegue manipulá-lo demais.
E ou você queima junto comigo, ou não passa de um espectador.
Talvez uma lupa, que enalteça mais ainda o fogo.
Mas o fogo não precisa da lupa, porque já estava aceso.
E você não pode acorrentar o fogo.
E hoje, depois de um mês,
Depois de ter passado pela dor da perda,
Pela raiva acompanhada da vontade
De lavar meu corpo com água sanitária 
E esfregá-lo com palha de aço,
Só para ter certeza de que não resta 
Em lugar algum dessa pele vestígio do seu toque,
Me libertei.
Me libertei, sentindo as correntes que este sentimento impuseram a mim
Não aguentarem o peso da relação natimorta
Nem dos sentimentos do luto
E arrebentarem.
Dentro de mim, as correntes não resistiram ao fogo.
E deixei o que sentia por ele de lado,
E foquei no que eu sinto por mim mesma.
Desde que acabou, me perguntei
Qual era o papel dele em minha vida,
Até que eu descobri:
Me lembrar que a coisa mais importante que eu tenho
É o amor que eu sinto por mim mesma.
E o que eu faço para colocar esse amor em prática.
Pois bem: fui sincera com meus sentimentos e 
Fiz o que acreditava que devia fazer.
Partir foi uma dessas coisas.
O papel dele na minha vida foi
Me fazer perceber que não sou tão vilã quanto gosto de mostrar que sou
E que por trás dessa máscara,
Existe uma pessoa linda e sensível
Que cuida de quem ama e
Não mede esforços para fazê-los feliz.
Analisando tudo o que fiz por ele,
Quando ele dizia que eu não tinha amor próprio,
Percebo, hoje, que eu nunca agi com tanto amor próprio
Quanto com ele.
Analisando tudo o que fiz por ele,
Fico feliz em perceber quem eu sou.
E se ele me disse para não voltar mais...
Paciência!
Chega dessa dança de egos
Que me impede de seguir em frente.
E no fim das contas, ainda que não exista um vencedor
Quando se acaba uma relação,
Eu sei que venci, que ganhei... Amadureci.
E senti não só que eu me amo,
Mas principalmente, me senti apaixonada por mim mesma.

(quebrei minha corrente que me ligava a ele
tão rápido, tão súbito que pude ver
por trás de meus olhos a corrente em meu peito
se expandindo até quebrar,
ainda sinto a respiração aliviada deste momento,
a leveza da liberdade 
e agora danço ao som dos Rolling Stones)

domingo, 5 de novembro de 2017

F.

Ali, sentada de frente para aquela fogueira,
Viu o fogo falar com ela:
"As pessoas tem medo de você
porque você não precisa de ninguém, só precisa de si mesma,
e tem gente que quer saber
que você precisa deles para se sentirem importantes."
Logo depois entrou numa viagem
Na qual descobriu que se ama tanto
Que deixa os outros a amarem como querem.
Não, não é que ela aceita qualquer tipo de amor.
Mas não se vê como juíza dos sentimentos dos outros.
Não pode ser responsável pelo modo como os outros
Vão demonstrar que a amam,
Apenas é responsável como transborda seu amor para o mundo.
E tenta fazer isso da melhor maneira possível.
Porque, no fim das contas,
Apesar de não precisar de ninguém,
Não vai desmerecer o amor daqueles que não sabem amar
Porque eles ainda estão aprendendo.
Estamos todos aprendendo.
Erros são cometidos para entendermos e superá-los.
Seguirmos em frente tentando não repeti-los.
E ela já amou errado, muitas vezes.
Não mais.
Hoje, ela ama da forma que gostaria que a amassem de volta.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

N.

Elas se falam todos os dias, praticamente o dia todo
Mas é nas manhãs que gostam de falar sobre os sentimentos
E sobre as pessoas que os causam,
Talvez porque eles estejam menos intensos, mais controlados...
Ou talvez porque passaram a madrugada acordadas,
Sentadas na janela de seus quartos, observando a luz amarela da rua
E pensando...
E sentindo...
E pensando...
E sentindo...
E lembrando.
Lembrando de quem se foi e de quem permaneceu
Principalmente de quem voltou (para ficar)
E lembrando de quem está para ir,
Mas gostariam que ficasse, ou gostariam de ir junto
Só pra não precisar ver partir.
Só pra ter aquela pessoa por perto para sempre,
Mas há coisas que estão fora de nosso poder.
Há coisas que não podemos controlar.
E não podemos controlar as pessoas,
Nem podemos obrigá-las a permanecer.
Só podemos esperar que elas o façam
Ou então que retornem logo, antes que doa demais.
Antes que o peso da ausência, do silêncio, fique insuportável.
Antes que sejamos esquecidas.
E não podemos controlar o amanhã,
Nem quando as pessoas irão partir
Porque eventualmente, todas elas partem
Algumas, nem querem partir.
"Me pergunto de quantas vidas eu parti,
mesmo quando ainda me queriam nelas.", refletimos.
Ficamos impotentes, acorrentadas aos ditames do tempo
Ansiosas pelo que o Universo nos trará de volta.
Podemos fazer algo?
Não... Nunca. Contra o Universo não podemos lutar,
Somos só duas meninas que brincam de escrever
E que tentam dar a quem amamos as melhores partes de nós.
E no final das contas, o que importa mesmo
É manter por perto quem desperta
A poesia adormecida em nós,
Porque no final das contas,
Tudo passa, e as pessoas também.
A única coisa que podemos fazer por nós e por elas
É transformá-las em poesia
Daquele jeito que só a gente sabe fazer.


domingo, 3 de setembro de 2017

A.

Ada buscou seus cadernos antigos, já sabendo qual texto gostaria de revisitar. Qual sentimento gostaria de revisitar. Ou seria o sentimento que a estava revisitando? Há anos não abria aquele caderno, há anos não lia aquele texto e, quando o fez da última vez, não conseguiu se identificar com o que lia; parecia outra Ada, de outra vida, com outra personalidade e outros sentimentos. No entanto, oito anos depois (oito anos...!), ela buscou aquele texto mal escrito num caderno de biologia do Ensino Médio para lembrar com se sentia quando escreveu. O motivo que originou aquele texto? Ela não conseguiria lembrar, mas lembra claramente do que sentia enquanto escrevia: sentia que estava caindo, as peças do quebra cabeça do seu ser todas fora do lugar. Bagunça. Bagunçada. Impotente. Inútil. Sozinha. Sentia que não pertencia a si mesma. E só... Acima de tudo, sentia que estava só.

E pior: sentia que não importava o quanto amasse aqueles ao seu redor, nunca seria o suficiente. Nunca seria gentil o suficiente. Não importa o quanto tente, Ada sempre machuca quem ela ama. Esse é seu carma, ter um efeito nocivo àqueles que lhe são queridos, àqueles que ama tanto quanto ama a si mesma. Foi quando escreveu, no finalzinho do texto uma frase mal escrita e formada em inglês, algo como: “Não se aproxime de mim, não ouse chegar perto, porque todos nós sabemos como isso vai acabar... Eu vou partir seu coração.”, frase essa que resume o sentimento que havia retornado. Oito anos depois. Oito anos.

Achava que havia abandonado este sentimento há muito, mas cedo ou tarde, tudo retorna. Todas as mágoas e felicidades retornam quando pertencem a alguém. E percebeu que esse sentimento estava enterrado em algum lugar de seu coração, mas não desaparecido. Não abandonado. “Talvez seja preciso conviver com ele pelo resto da vida.”, pensou. Pensou e enumerou todos os traços de sua personalidade guiados por esse sentimento. Sarcasmo é o principal deles, afinal de contas, é o traço principal de sua personalidade, um alerta de que não é uma boa pessoa, para que não esperem dela nada de bom. Também explica o motivo pelo qual ela ama o dia de seu aniversário: é o dia quando esse sentimento desaparece, como se ele nunca houvesse habitado seu ser, porque ouve de todos que ama o quanto ela é importante. O quanto ela os faz feliz. É o único dia quando escuta isso e não duvida do que ouve. O único.

Lembrou também da permuta que tentou fazer com o Universo, partindo do princípio de que todas as coisas boas e ruins que fazemos voltam para nós em algum momento de nossas vidas, tentou mostrar amor ao próximo. Esperava que o amor que tentava emanar fosse retornar a ela, esperava que, fazendo os outros felizes, conseguiria ficar feliz... Que ilusão! Tentou amar todos a seu redor. Tentou demonstrar seu amor por eles, mesmo que à sua maneira. Foi quando percebeu que sua maneira de amar está errada. Quanto mais amava, quanto mais demonstrava amor, mais machucava os outros. Que amor é esse, que machuca, no lugar de enaltecer e deixar feliz? Que amor é esse, que causa dor e não mais amor? Foi quando percebeu que todas as coisas que tenta fazer e demonstrar pelas pessoas acabam voltando para ela em forma de dor. Sempre alguém sai machucado. E ao ver os outros machucados por ações suas, Ada se machuca. Mais uma vez se sente impotente. Mais uma vez se sente sozinha. Mais uma vez se fecha por trás de uma barreira de sarcasmo. Desconhece sentimento pior do que esse: tentar fazer quem ama feliz e perceber que é uma inútil e que não poderia fazer outra pessoa feliz... Não consegue.

Sua dor resume-se a perceber que é a amiga, a amante, a filha, a irmã, que por mais que tente, não consegue fazer as outras pessoas felizes. Sempre desaponta, sempre decepciona. Por que tentar, então? Já sabe que não vai conseguir. Já sabe que não importa o quanto tente, nunca será suficiente. Nunca será boa o suficiente, nem para os outros, nem para si. Não importa quantas formas diferentes Ada tente usar para espalhar amor e esperança ao mundo, não é suficiente. Não importa. Nada importa. O que importa é a verdade. E sua verdade é que nunca será boa o suficiente. Ada nunca será o ser humano que gostaria de ser, porque quanto mais tenta se aproximar desse ideal, mais parece que ela está caminhando na direção contrária desta pessoa. Ada se vê sem propósito, porque se não consegue fazer aqueles que ama felizes, o que mais ela poderia fazer? Nada. Hoje, Ada é nada. Hoje, Ada se fecha novamente. Finge não ter sentimentos, porque assim é mais fácil. Sem sentimentos, ela não machuca ninguém, nem a si mesma. Hoje, Ada dá uma resposta sarcástica a alguém que ama, com aquele alerta: “Eu sou uma má pessoa, não confie em mim, porque eu vou te machucar.”. Mesmo sem querer.

Mesmo sem querer, Ada machuca quem ama.
Mesmo sem querer, Ada trás problemas e dores.
Mesmo sem querer, Ada nem se envolve, para não machucar.
Mesmo sem querer, Ada se fecha.

(é melhor para todos)
Mesmo sem querer, Ada fecha seu caderno.
Sucumbiu ao sentimento de que é a pior pessoa que conhece,
Talvez a pior pessoa que já existiu em seu tempo.
Nos cadernos antigos, encontra a solução para sua crise emocional:
E mesmo sem querer, Ada promete a si mesma
Que nunca mais permitirá que sofram por sua causa
Não mais permitirá que seu amor machuque qualquer pessoa.
(só queria poder fazer quem ama feliz
é pedir demais? é querer demais?
mas é incapaz demais, inútil demais)
(só queria levar amor e poesia a aqueles que ama)
(e nem isso conseguiu fazer!)
(nem isso consegue fazer.)
(todo dia, uma batalha perdida)
Não mais permitirá.
Não mais sentirá.
(virá robô)

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

D.

"Somos como água e óleo.", ele disse
Não podemos ficar juntos... Não agora.
Não agora, talvez depois.
T
  A
    L
      V
         E
            Z.
Quem sabe, depois...?
Quanto tempo?
Quanto tempo até ele voltar?
Não sei.
Nem mesmo ele sabe.
Nem mesmo ele pode medir.
Tempo é relativo, dizem.
Duas semanas podem ser uma vida inteira,
Basta querer.
Mas não importa.
Porque não podemos ficar juntos.
Não podemos ficar juntos
Porque ele não quer mais uma saudade,
Mais um vazio com meu nome
Impregnado na alma dele.
Contra isso, não há argumentos.
Não há "lábia de advogado" que resolva.
Contra isso, não lutarei.
Porque não posso, nem devo.
Diante disso, não serei objetiva.
Não é um caso objetivo.
É complicado, cheio de motivos
(muito mais complicado do que parece,
não há matemática que resolva)
Com muitas razões, 
Incontáveis nuances
E apenas duas perspectivas.
Duas perspectivas diferentes,
De dois mundos, culturas e sentimentos
Completamente diferentes.
(coisa triste mesmo é encontrar alguém
e não poder estar, ficar e ser
coisa triste mesmo é ver ir embora
e se ver impotente
coisa triste mesmo é a partida de quem se ama)
Duas pessoas que sentem o mesmo,
De formas distintas.
Duas pessoas que não podem ficar juntas,
Não agora.
Eu, apenas eu, e
Ele, cujos olhos e sorriso
Que fazem crescer girassóis neste coração
Irão se transformar no vazio de saudade com seu nome,
Onde antes havia girassóis,
Onde antes havia fogo.

sábado, 24 de junho de 2017

Pietra

“Meu sonho é ter 1% da sua segurança.”, Pietra sempre dá uma risadinha quando ouve esse comentário. Ora, já é tão comum que nem se impressiona mais. E não poderia mesmo dizer que se impressiona quando a reconhecem como uma mulher segura de si, ela o é, sem sombra de dúvidas, e reconhecer isso aumenta mais ainda sua segurança. Esse comentário geralmente vem acompanhado de um outro: “Me ensine a ser como você!”, ao qual ela poderia prontamente responder: “Eu já fui insegura um dia.”, uma resposta que acalme e tranquilize o coração ansioso daqueles que querem tomar rumo de suas vidas e de seu amor próprio. "Empoderamento" é a palavra. Dizem.


Nesse diálogo, no entanto, entre as falas, as memórias vem. Rápidas como um raio, um filme correndo por trás de seus olhos. E lembra. Lembra dos dias ruins. Lembra de quando esses dias ruins superavam a quantidade de dias bons. Parece outra vida, outra Pietra. Há quantos anos? Quantas vidas atrás? Mas é ela, e é sua história. Ser quem ela é agora, ser segura de si como se sente foi uma construção, passando dos dias de escola, dos dias quando era chamada de “feia” e “burra”, além de outros adjetivos que hoje já não importam. Não... Não é que não importem. Importam, e muito. Importam porque todos os insultos e xingamentos, todas as coisas que já a machucaram serviram de alimento para se tornar quem é hoje. Palavras influenciam. “Palavras machucam mais que espadas”, repete para si mesma. O importante é usar essas palavras como um benefício. É importante e difícil, mas não vai parar de caminhar na estrada da vida. Não vai dar a ninguém esse poder.


“O que não te mata te deixa mais forte”, diz o ditado. Mas ninguém espera por isso. O que seus chamados agressores esperavam é que ela se sentisse diminuída, humilhada a ponto de se tornar invisível, de se tornar nada. Esperavam roubar sua autoestima para eles, para se sentirem bem consigo mesmos... Uma pena. Risos. Lembra da escola? Mas é claro! Quer ir lá? Não. Hoje em dia, normalmente finge não ver aqueles tão chamados colegas. Eles não importam, no fim das contas. Eles nem lembram! “Quem dá o tapa esquece, mas quem leva, nunca.”, lembra de sua mãe ter lhe dito há muitos anos. Quis sair e se afastar? Não era uma possibilidade. Gostava de dar a cara à tapa, de vê-los tentar destruí-la. Era pedra. Forjada em fogo. Não permitiria que a derrubassem tão facilmente, e talvez este pequeno grande ato de rebeldia tenha sido, também, o primeiro ato de amor próprio de sua vida. Hoje, ri de tudo isso.


Alimentavam seu espírito rebelde e nem faziam ideia. Uma graça.


Ao mesmo tempo, sabendo do poder que as palavras tem, às vezes tropeçava e não era feliz. “Água mole e pedra dura, tanto bate até que fura.”, lembra da primeira vez que ouviu esse ditado. Procurando Nemo. Admite não ter entendido de início o significado de tais dizeres, mas nada que o tempo não tenha resolvido. Entendeu com tantas palavras ruins em sua direção. Por que a odiavam tanto? O que ela fez? A verdade é que não precisava fazer nada para ser odiada. Às vezes a gente acredita, né. E acreditou. De tanto ouvir insultos, começou a acreditar que era o que diziam. No entanto, para infelicidade dos outros, essa não era a regra. Só acreditava às vezes. Em pequenos momentos de fraqueza. Todos temos. Acho que já vi algo assim em algum lugar...


Não era feliz ao se sentir pressionada em permanecer forte, até que a força foi encarnando. Não doía mais. Nesse caminho, no entanto, havia recaídas e as palavras às vezes atingiam o objetivo de machucar. Mas permaneceu na luta. E nela, descobriu um grande amigo; o sarcasmo, que a acompanha até hoje. É um bom amigo, para toda e qualquer hora. “Não há coisa melhor do que uma respostinha sarcástica para um comentário babaca.”, costuma dizer quando questionada sobre ser uma pessoa rude. Rude? Nunca. Mas aprendeu a se impor. Não leva desaforo pra casa. Não mais. Só às vezes, quando é divertido...


No entanto, tinha raiva ao perceber que muitos tentavam se sentir bem tentando destruí-la. “Coisa de gente com baixa autoestima”, ela diz hoje. E ri. Ela sempre ri. Desde aquela época, então, aprendeu a mais valiosa lição que alguém poderia lhe ensinar: precisa se amar mais do que tudo, não para provar a eles que estão errados e, sim, porque ela pode perder tudo e todos, mas nunca perderá a si mesma. Mais do que com qualquer outra pessoa, ela vai ter de aprender a conviver consigo mesma, afinal, está presa em seu corpo, sua mente, seus sentimentos. A questão é que precisou aprender isso sozinha.


“Conviver com outras pessoas é uma opção, sempre foi e sempre será. Mas conviver consigo mesmo, não. Você não escolhe. Você vive dentro do seu corpo. Então é melhor começar a se amar e ser gentil consigo mesma, porque o mundo e as outras pessoas não se importam muito em serem gentis com você. É cada um por si, e tem muita gente que quer te rebaixar pra se sentirem bem.”, disse uma vez a sua amiga. No entanto, surge o questionamento: como fazer isso? Como poderia? Afinal, abandonar o que os outros pensam de nós, mesmo pessoas que não nos são importantes é difícil. Pietra não sabe explicar o porquê, “Como diria Chicó, ‘só sei que foi assim.’ Só sei que é assim.”. Mas eles significam nada. Por que a opinião de pessoas que não conhecem a totalidade da sua essência importa mais do que o que você pensa de si mesmo? Não importa, e nunca deveria ter importado. A opinião de ninguém importa, só a sua. Lembre. Guarde isso. Pense nisso todos os dias.


Mas e o processo? Como se faz? Existe uma fórmula? “Se um dia eu descobrir como se tornar uma pessoa segura de si, eu te dou uma lista de afazeres com um passo a passo bem massa.”, ri. Mas tem de haver uma fórmula, caso contrário, livros de autoajuda não seriam vendidos. Mais uma vez lhe ocorreu uma conversa, quando lhe disseram que seu primeiro pensamento do dia definiria quão bom ou ruim ele seria. Resolveu testar. Seria impossível, no entanto, controlar seu primeiro pensamento do dia, mas bolou um plano para se ajudar: assim que acordasse, quando estivesse escovando os dentes e vendo seu reflexo no espelho, diria alguma coisa boa sobre si, sobre o sonho que teve na noite anterior, ou qualquer outra coisa que lhe viesse à mente. “Mas precisa ser alguma coisa boa, tem que ser a primeira coisa boa que vier à sua cabeça.”, e percebeu que, sim, o Universo retribui.


Algum tempo depois, Pietra não saberia dizer quanto, um certo Doutor com uma gravata borboleta lhe ensinou sobre gentileza. E não só sobre como ser mais gentil consigo mesma como, também, com os outros. “Ainda não sou totalmente boa com isso, admito. Só sou gentil com quem eu acho que merece.”, mas abraçou sua espontaneidade e hoje não segura mais um elogio a alguém, afinal de contas, ela também não sabe o que está acontecendo no dia do outro, muito menos sabe como o outro sente a respeito de si mesmo e, conhecedora das palavras como é, sabe muito bem como isso pode mudar o dia de uma pessoa.


Tenta deixar os julgamentos e comentários desnecessários de lado. Se vai machucar alguém, por que dizer? Gostaria de conseguir controlar os comentários maldosos na hora da raiva. Ah, como gostaria...! Mas Pietra é humana, e sabe que sua maior certeza é a busca por uma melhor versão de si mesma. Tenta melhorar, ser mais gentil com os outros a cada dia que passa.


Ser gentil consigo mesma é a parte fácil para ela. Com os pequenos atos de gentileza pelos outros, o Universo foi retribuindo. Não é fraqueza dizer o que se acha bonito no outro, mesmo que não seja um aspecto físico, acredita ser esse o problema da modernidade. Elogiar, ser gentil, ajudar, emanar qualquer coisa boa de dentro de si, além de ser sinal de fraqueza, as pessoas vão assumir que existem segundas, terceiras, quartas, mil outras intenções por trás de um simples comentário. E ela não vai mentir, talvez até exista... Mas até que estas outras demais intenções sejam provadas, a primeira e única é a de fazer uma pequena gentileza. Não é? Não. Tudo errado. Ou seria a percepção das pessoas que está errada? Lembra daquela frase cuja bandeira muitos carregam? “Mais amor, por favor!”. Mas... Não, esqueça... Deixe quieto.


Reluta: “Além disso, existem coisas que outras pessoas podem perceber em você que você nunca notou. Você já parou para pensar que alguém na fila do banco pode te achar uma pessoa linda, rindo de algum meme que seus amigos te mandaram pelo whatsapp?”. E, da mesma forma que os elogios saem de sua boca, eles retornam para si, mesmo que não seja da pessoa com quem ela estava conversando. E não importa. A moral de sua história é ter extraído sua personalidade das coisas boas e ruins que aconteceram, transformando todas elas em aspectos positivos.


Com o tempo, Pietra cresceu os muros de sua autoestima e sua segurança. Hoje, se considera quase indestrutível. Quase. Mas se construiu de forma que só será derrubada por outra pessoa se ela lhe conceder este poder. E por que faria isso? Não... Pietra se mantem firme e forte. Uma pedra. Ainda se depara com pessoas que querem destruir seu templo de amor próprio, afinal de contas, uma mulher tão segura de si de uma forma tão crua, é perigoso num mundo machista. Homens e outras mulheres se incomodam com pessoas como Pietra, sua confiança despida de orgulho inflama o ego alheio. Pietra, no entanto, há muito aprendeu a não dar importância ao que os outros dizem. “Sou o que sou e não o que dizem.”, Pietra costuma gargalhar ao dizer essa frase de forma debochada, digna de uma certa rede social não mais existente. Nessas ocasiões, Pietra ri e dá de ombros, deixe que pensem o que quiserem pensar. Às vezes faz uma careta, como quem diz: “Ninguém importa nesse mundo para mim mais do que eu. Ninguém.”


Permanece.
Volta ao início do ciclo.
E dizem: “Eu queria ser segura como você.”, Pietra ri.
Plot twist: disseram algo diferente dessa vez.
“Sim, mas você não é assim desde sempre.”
Não mesmo. Pietra é pedra que vive em constante crescimento.
E, acima de tudo, de uma rebeldia criada só para irritar quem tentava lhe diminuir e para “mostrar quem é que manda”, surgiu a maior lição de todas.

Pietra se ama e não permite que lhe digam que isso é impossível.
Porque ela mesma, há muito, já provou o contrário.
Indestrutível.
O Universo continua retribuindo.

E retribui bem, devo dizer...

quarta-feira, 8 de março de 2017

DIM

Dia Internacional da Mulher. Um pai dá uma flor a cada uma de suas filhas. Uma rosa vermelha, assim como a rosa de "A Bela e a Fera": nesse caso, a flor tem uma alusão um pouco diferente. 

É um recado, um lembrete, até mesmo um desejo de um pai, um apelo para que suas filhas lembrem quem são. Lembrem quem são e lembrem de seus direitos. Entrega a Rosa vermelha como quem diz: "Minha filha, não posso tornar o mundo seguro para você. Não posso fazer com que o mundo reconheça que você tem os mesmos direitos que eu ou qualquer homem. Mas luto com você por isso, vejo sua luta. Nunca abaixe a cabeça! Lute pelo que é seu, mostre quem você é. Estou a seu lado.", o recado é entendido, afinal, "para bom entendedor, meia palavra basta.". Sorriram e se abraçaram. O mundo está em constante mudança, e todo dia é marcado por uma luta feminina diferente. Não é para menos que são frequentemente chamadas de guerreiras. Guerreiras, médicas, advogadas, físicas, biocientistas, agrônomas, empresárias, escritoras, cantoras, atrizes, dançarinas, administradoras, contadoras, arquitetas. Professoras, mestras, doutoras! Donas de casa. Mães. Magras, altas, baixas, ruivas, loiras, negras, brancas, asiáticas.

Moça, lembre de Patti, Lilian Maya, Marie, Mary, Elizabeth, Emma, Annie, Alice, Clarice. Rosa.

De Bela, Furiosa, Leia, Laura, Eleven, Tulip, Mulan, Arya, Lagertha, Beatrix, Uhura, Moana, Aurélia, Ana.
Pense em si mesma.
Você é forte.
E você pode se reerguer. 
Sempre. 
Todos os dias.
"Still I rise".



Não mais somos coisas.
Não mais somos nada.
Violentadas,
Estupradas,
Assassinadas,
Manipuladas,
Oprimidas,
Reprimidas,
Deprimidas.
Diminuídas.
Não, não mais.
No more.

A flor não mais significa apenas que o que é belo também é forte. Hoje, a flor em suas mãos significa equidade. É o símbolo de nossa luta. Sejamos donas de nossos corpos! Que possamos ir onde quisermos! Vestirmos o que quisermos! Não mais estereotipadas, não mais objetificadas, não mais vendidas, não mais xingadas! Que as marcas roxas nos corpos das mulheres violentadas e a memória daquelas que partiram permaneçam como marcas em nossas mentes, mais um lembrete de quem somos e o que queremos. O mundo também é nosso, os nossos direitos são nossos! As flores e rosas são o objeto que levamos para o palco no momento de nossas danças. Sejamos protagonistas de nossas danças, nós e nossas rosas. 
Receba essa flor, moça.
Hoje, a flor é um símbolo da resistência.
E nós somos a resistência.

(lute, sempre.)
(calar, nunca.)