terça-feira, 29 de novembro de 2016

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Ela deita numa tela em branco. As cores, vem aos poucos. Com os dias, com os anos. Com os sentimentos. Considera o branco a cor mais cruel de todas. Ameniza tudo, clareia, dissolve. Talvez, no fim, branco não seja tão ruim assim... Se diverte com a concepção popular de que branco é a cor que representa a paz. No meio do som de uma Escola de Samba de cores, o branco seria a Rainha de bateria. Seria o silêncio antes de todos entrarem na Avenida. A calmaria antes do Desfile. O clarão das luzes refletidas no olho. Tudo branco, sempre. Para ela, no entanto, branco não significa paz. Para Isaac Newton, branco é luz, e a reflexão de todas as outras cores de seu círculo cromático. Uma mistura, um caos. E muitos encontram no caos sua paz. Não pode julgar ninguém por fazê-lo, afinal, cada um tem sua própria paleta de cores. Sua paz é azul, roxo, verde e amarela. Seus poemas azuis sobre saudade, as paredes roxas de seu quarto, o verde da capa de seu livro preferido e o amarelo do sol. Ela se depara com a paz em vários momentos do seu dia, em várias coisas pequenas, quase tão insignificantes e imperceptíveis, que passariam desapercebidas por algum leigo desavisado. Mas não para ela. Não... Tudo o que quer é paz, sua guerra é pela paz. Sorri. A paz sempre se mistura com um pouco de sono. Às vezes cochila, outras vezes, só fica com os olhos fechados. Sua paz, por vezes, é esquecer... Esquecer que somos instantes, e que a presença neste mundo nada mais é do que algo temporário, ao mesmo tempo, extraordinário e corriqueiro. Esquecer que, no fim, somos só desenhos pontuais na linha do tempo. Aparecemos e desaparecemos com a mesma facilidade, com a mesma tranquilidade. No fim, somos um monte de sentimentos misturados com um pouco de paz.





(espectros)
(telas em branco)
(luz)



Arte: Flávia Duarte

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Iago

“O que somos?” foi a pergunta lançada naquele primeiro encontro peculiar. A resposta para a pergunta, é claro, pode ser de uma variedade imensa. “Somos o que somos”, em referência àquele filme lançado em 2013 seria uma delas. A criação de um ser divino, cuja existência é questionada por muitos e venerada por todos? A junção de todas as experiências de alguém? Ou o que se ama? Ou será que somos nada? Por outro lado, poderíamos ser tudo, não? Outra resposta subjetiva, a qual talvez não respondesse à pergunta seria a famosa frase de Hamlet “Ser ou não ser... Eis a questão.”. Shakespeare poderia ser invocado mais uma vez: “Nós somos feitos do mesmo tecido de que são feitos os sonhos.”.

(memória)
(somos feitos de poeira estelar)
(somos estrelas, afinal?)

A discussão faria uma mesa de bar formada por filósofos, psicólogos e poetas entrarem em guerra.

(SOMOS A METAFÍSICA DO UNIVERSO)

“Somos o que comemos.”, ele riu, dando uma garfada num pedaço de bacon.
(é um porco?)
(silêncio)

De certo modo, talvez ele tivesse razão. Mas talvez uma pessoa seja muito mais do que parece ser, muito mais do que acredita ser. Guarda, dentro de si tantas coisas, tantos sentimentos, sonhos, aspirações, amores e desamores, músicas, livros, filmes, memórias, crenças e descrenças, palavras não ditas, traumas e explosões de felicidade. Cosmos.

Nada de comum havia naquele primeiro encontro: era uma sexta-feira, 13 de outubro. Foram a um restaurante cuja decoração era temática do dia das bruxas. O cardápio havia sido modificado, para pratos com títulos como: “Marinheiro afogado”, ou seja, camarões ao thermidor; “Bruxa queimada”, um prato de frango empanado; o filé ao molho madeira, no momento, era conhecido como “KKK”. De preferência, bem passado. “Açougueiro Decapitado” era o sorvete de morango com calda especial. Outra sobremesa se chamava “Os pássaros”, e outra, “Frenesi”. “A vingança dos porcos” poderia ser encontrada no menu de entradas. “O Exorcista” seria um dos digestivos. Na mesa, uma pequena abóbora iluminada, entre dois candelabros com velas acesas, ligadas por teias de aranha.

A loja de decoração ao lado do restaurante, no entanto, não reconhecia a existência do dia das bruxas: em pleno outubro já começara a expor as árvores de Natal. “Como em ‘O Estranho Mundo de Jack’.”, ela pensou e riu consigo mesma. Dentro do restaurante, o pianista tocava a trilha sonora de “O Bebê de Rosemary”. Ela tinha um forte sentimento de que, em algum momento, a música da icônica cena do banheiro de “Psicose” começaria a ser tocada. O garçom assobiava da mesma forma que se ouve assobiar em “A Morte tem Cara de Anjo”. “Tubarão” e “O Iluminado” certamente estariam no repertório.

Ela parecia de outro mundo: olhos azuis claros, maçãs do rosto bem altas, o queixo não muito protuberante. Provavelmente não era considerada bonita por muitos. Mas algo nela despertou o interesse dele. Talvez fosse seu jeito que causava nele a impressão de que ela parecia ver tudo acontecer sem se importar muito. Às vezes falava e dava a impressão de que estava em outro lugar, não ali. Todos os seus traços mais marcantes poderiam ser resumidos na palavra “estranha”. O que é estranho, no entanto, nem sempre é ruim. Esse é um bom lembrete. Em compensação, ele era normal demais, pacato demais. Ela compensava a normalidade dele. Era o que ele acreditava.

“Será que todas as pessoas são assim?”, ela devaneou depois de alguns momentos em silêncio.
“Assim como?”
“Maiores por dentro.”
“Todos nós temos um Universo inteiro dentro de nós.”
“Eu quero ver.”, ela deu um sorriso daqueles que permitem que se veja todos os dentes “Cada um desses Universos.”
“Você não pode, estão escondidos, sabe...”
“Onde?”
“Dentro.”
“Lá dentro?”
“Isso, bem fundo.”
“Mas e se eu arrancar sua pele?”, ela questionou, num tom mais baixo que o normal.
“O que você disse?”
“Eu quis dizer: se eu arrancar sua pele, será que eu posso ver o Universo dentro e você?”

Sorriram e voltaram a comer.
Ele, ansiava por descobrir mais a respeito de uma moça com um Universo tão peculiar dentro de si.
Ela, só pensava naquela pele bronzeada sendo arrancada.

Silêncio.









quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Textos escritos às três da manhã

Nem lembrava direito como foi a primeira vez que chegara ali, dois anos atrás. Lembrava que as almofadas da sala de espera eram verdes, e assim permaneceram até hoje. Lembrava, também, da reação de seus pais ao descobrirem que estava buscando ajuda profissional: ao contrário do que esperava, ficaram felizes. Acharam que ela estava indo para aprender a obedecê-los, e curar seu “espírito rebelde”. Pelo contrário, sua intenção era se livrar das amarras das idealizações. Pretendia respirar um pouco diante do sufoco causado pela repressão de não poder ser quem é.

O problema de Maitê nunca foi existencial: sabia muito bem quem era desde sempre. O que não sabia, no entanto, era como lidar com a repressão de todos a seu redor. Todos esperavam que Maitê agisse de uma certa forma, que seguisse um certo padrão. Deveria parecer uma Barbie sempre que fosse sair de casa, muito bem vestida e maquiada. Cabelos impecáveis e cílios postiços cuidadosamente colocados. Deveria ir para a academia, ficar com as pernas grossas, barriga chapada e braços bonitos. Nunca seria bonita se não fosse magra. A pele, deveria estar sempre lisa. Deveria parecer inteligente, claro, porque nem só de aparência vive a sociedade, mas não muito inteligente para “não assustar os pretendentes”. Não podia defender suas opiniões, porque “homem não gosta de mulher de personalidade forte”.

Deveria frequentar os lugares da moda, ouvir as músicas da moda, e usar o vestido de seda da moda. Seus amigos, certamente, devem ser aqueles que mais causam estardalhaço e chamam mais atenção ao chegar nas festas e eventos sociais da cidade, pois eram os “populares”. Para completar, tem que ser muito bem resolvida: aos 25 anos, agora formada numa faculdade que não era sua primeira opção, deveria saber toda e qualquer coisa que iria acontecer em sua vida desde hoje, até o dia da sua aposentadoria. Aos 25 anos, Maitê deveria fazer mil e uma coisas, porque era o que todo mundo esperava dela.

Chegou na sala do psicólogo e, em meio às suas angústias, foi diagnosticada com ansiedade. Ansiedade. O mal do século. Todo mundo tem. Alguns teorizam a relação entre a ansiedade e a tecnologia. Talvez devessem falar em intolerância também. O psicólogo, no entanto, foi muito categórico: entendia que Maitê sabia quem era, o que ela precisava mudar era a angústia de se importar com o que as pessoas falavam a seu respeito. Ignorar e seguir em frente. Ora, como pode ela, ser feliz se consideram quem ela é errado? Maitê se acha maravilhosa, e acredita que merece do mundo uma maior compreensão. Acha que, apesar de saber que nunca conseguiria agradar a todos, as pessoas deveriam reconhecer quão maravilhosa ela é.

Maitê frequenta o cinema, mesmo sozinha, escuta músicas e bandas antigas – “Música boa não tem idade.”, costuma dizer – e gosta de vestidos listrados. Não tem corpo escultural e gosta de tatuagens. Odeia saltos altos e só usa maquiagem em ocasiões especiais. Por vezes, já saiu de casa de pijama, com um coque mal feito na cabeça. Seus amigos gostam de sair de casa para conversar sobre inclusão social e feminismo, assistir filmes e comer. Por falar nisso, Maitê cozinha muito bem, tem um talento especial para a cozinha. Outro talento dela é fazer maquiagens de halloween e se divertir fazendo isso. Também nunca se importou com a imagem que um “pretendente” poderia ter dela. Se fosse para gostar dela, que gostasse dela com sua inteligência não tão excepcional assim e suas opiniões fortes. Encontrariam um meio-termo.

Mas o que a incomodava mais do que qualquer outra coisa era quando a enchiam de perguntas a respeito de sua vida profissional. Afinal de contas, por que isso interessa tanto às pessoas, se o trabalho de Maitê seria apenas uma parcela do seu dia, o que ela faz para ganhar dinheiro, e não um fator tão determinante na sua personalidade quanto seria seu livro preferido? Maitê não era seu trabalho, que ela ainda nem havia escolhido. Maitê era muito mais do que viam nela.

Maitê é uma tela em branco, cujas cores vão surgindo com o tempo, aos poucos. Devagar. Sutilmente.

No entanto, as pessoas esperam ver essa tela preenchida tão rápido quanto num piscar de olhos. Não satisfeitas com a necessidade de uma rápida pintura, as pessoas criaram uma imagem de Maitê. Cada um espera uma coisa, cada um acredita que ela deveria seguir por um caminho, cada um acha que ela “tem que”, “tem que”, “tem que”. “Você tem que...”, suspirava exausta e farta de pessoas querendo mostrar-lhe o caminho “mais certo” a cada oportunidade. Todos somos obras de arte.

E Maitê era vista como uma obra de Romero Britto.
Na verdade, todos são vistos como obras de Romero Britto.

Mas Maitê nunca quis ser algo tão popular, de formas tão rígidas que devem caber num padrão específico. Maitê nunca quis ser igual a todo mundo. Preferia ser uma Van Gogh, uma Monet ou, até mesmo, o quadro desconhecido com suaves cores em aquarela. Para início de conversa, Maitê nunca gostou da obra de Romero Britto, e sempre se perguntou o porquê de pessoas pagarem tanto dinheiro por uma obra dele. A resposta, claro, é: porque é moda. Qualquer um pode ser um Romero Britto, sem muito esforço. Qualquer um pode criar uma obra de Romero Britto sem muito esforço. É comercial, todo mundo quer, todo mundo tem. Qualquer um pode comprar. Falta profundidade e leveza no traço. Maitê, no entanto, não se importa com quem seja assim, só não quer que esperem dela se transformar nisso. Romero Britto tá na moda. Maitê não quer ser a moda.

Precisava, então, de ajuda para se libertar e não se chatear quando ouvia tantos padrões e tantas respostas às suas perguntas internas. Maitê sabia seu caminho, e sabia quem era, mas precisava aprender a ignorar toda e qualquer pessoa que a desviasse de seu destino. Se é que destino existe... Ela nunca gastou muito tempo pensando sobre o desenrolar dos acontecimentos da sua vida, e da possibilidade de ligação entre todos eles. Saber que não precisa ter toda a sua vida definida aos 25 anos era um alívio. Gostaria de fazer outra faculdade antes de começar a trabalhar. Mas encarar o desconhecido causa ansiedade, dá medo. “Não gosto de não saber.”, já disse inúmeras vezes. Mas, no fim das contas, quem sabe?

Talvez até saiba, e o que lhe falte sejam forças para seguir por um caminho desconhecido. Falta coragem, talvez? Aprendeu a tentar viver um dia de cada vez, dando passos de bebê. “Ninguém nasceu para correr, você precisa aprender a andar e, antes disso, vai gatinhar.”, seu psicólogo disse, depois de perguntar: “Você tem 25 anos, por que tem que ter toda sua vida definida agora?”. A resposta, evidentemente, foi “Não sei.”, porque Maitê, apesar de não gostar de saber, não sabia. E precisava aprender que não saber, nesse caso, não é um problema. Pare de tentar controlar tudo a seu redor, Maitê!

(não precisa de remédios)
(quer paz)

Perde a paciência com as expectativas que colocam nela, como se ela fosse perder seu tempo tentando satisfazer os outros e não a si mesma... Ora, já não é difícil permanecer verdadeira a si mesma num mundo onde qualquer um tem uma opinião para dar, então a partir de agora, Maitê deve deixar de atender às suas expectativas para atender às dos outros? Nunca, never, je, semper. Jamais!

Não quer ser outra pessoa, quer que as pessoas entendam que Maitê é quem é, e não quem esperam. Maitê é uma tela em construção, e não, uma Romero Britto finalizada, à venda para “um pretendente”, para quem ela não pode mostrar sua verdadeira face. (cru) Deve lembrar que, quando as pessoas colocam as expectativas delas no que elas esperam que Maitê se torne, na verdade, elas estão projetando suas expectativas numa Maitê inexistente. Na Maitê de Romero Britto. Repetia para si: “Eu não sou a Maitê que esperam que eu seja, e nunca vou ser. Vou fazer o que eu quero, da forma que eu quero, quando eu quero.”

Dois anos depois, esperando naquela sala com almofadas verdes, lembra, não da primeira consulta, mas de quem era quando chegou lá. Se irritava com pequenas coisas e com pessoas se metendo em sua vida. Hoje, vê todas as opiniões passando como as águas de um rio cujas águas não lhe tocam. Maitê não se molha nas águas do rio das opiniões alheias, nem nas cores das telas de Romero Britto.

Ignorou.
Ignora.
Maitê se veste com inúmeras cores, algumas que descobriu sozinha. Outras, teve ajuda. Descobriu sua tela abstrata e subjetiva, diferente de qualquer outra existente no mundo. Única em sua totalidade, realçada por seu novo poder de não se deixar afetar pela irritação de pessoas palpitando em sua vida e suas decisões.

Descobriu, finalmente, o significado de tomar rédeas de sua vida.
E ignorar a quem discorda.
Tomou rumo.
Criou seu rumo,
Desenhou seu caminho.

Reuniu toda a sua coragem, e
passo a passo,
Maitê
                conquistou
                                               o mundo.

(seu mundo, de mais ninguém.
Onde ela é Rainha,
Soberana em suas decisões
Em suas afeições

E em suas ações.)

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Semana dos Namorados #3

Me mostre uma música,
Um poema que te fez lembrar de mim
Mesmo que eu já tenha visto
Mesmo que eu já tenha sentido
Me faça sentir a arte novamente
Me faça senti-la com um pedaço de você.
Me faça sentir um pedaço de você
E me faça sentir
Um novo pedaço de mim.

terça-feira, 7 de junho de 2016

Semana dos Namorados #2

Era um dia bonito, e queria fugir. Queria fugir de tantas coisas, de tantas decisões que precisava tomar, de tantas pessoas, de tantos sentimentos... Parecia que ultimamente só tinha feito isso, fugir. Estava com medo. Dessa vez, no entanto, se permitiu fugir um pouco. Foi para o parque da cidade, onde ficou ouvindo os pássaros cantando no fim da tarde, observava alguns casais de namorados e algumas pessoas caminhando. Precisava disso, precisava de um tempo só, precisava não pensar demais. Precisava conseguir dedicar-se a si, ainda que por pouco tempo. Precisava se esconder.

A fuga, no entanto, durou pouco. Logo sentou a seu lado um rapaz com barba e roupa branca, devia ter uns 25 anos, analisou. Ficaram um tempo em silêncio analisando a paisagem, até que o novo companheiro quebrou o gelo, escorregando uma flor arrancada de um canteiro qualquer:
“Isso é para mim?”
“Sim.”
“Por que?”
“Porque sim.”
“Não se dá uma flor para um desconhecido sem ter um motivo.”
“Talvez você precise de algo para melhorar o seu dia.”
“E não precisamos todos?”, suspirou.
“O que aconteceu com você?”
“A vida aconteceu comigo.”
“A vida acontece com todos nós.”
“Pois é.”
“A vida acontece com todos nós e a gente enlouquece um pouco.”
“Enlouquece?”
“É, de amor.”
“Você é louco de amor?”
“Eu sou louco de amor.”
“Mas ninguém é louco de amor.”
“Eu sou louco de amor. Fiquei louco há muito tempo.”
“E valeu a pena?”
“As coisas que nos tiram da zona de conforto são as que mais valem a pena.”
“Mas você não teve medo?”
“O tempo todo.”
“E ainda assim enlouqueceu de amor?”
“E ainda assim enlouqueci de amor.”
“Como?”
“Eu poderia ser corajoso ou poderia ser covarde. E ser covarde é algo que não dá para mim.”
“Por que?”
“Porque aí eu seria igual a todo mundo, e ninguém me amaria de volta. E eu tenho uma necessidade de ser amado... Quero que me amem, e quero amar de volta.”
“Mas amar é assustador.”
“Claro que amar é assustador! Significa que você dá a outra pessoa o poder de partir seu coração, enquanto você tem o dever de cuidar do coração da outra pessoa. É uma responsabilidade muito grande, e muitos de nós não sabem como lidar com ela.”
“Mas eu devo?”
“Amar?”
“Sim.”
“Deve amar com todas as forças que existem em seu ser.”
“E se eu acabar de coração partido?”
“Você se reconstrói e parte para outra.”
“Mas não vai doer?”
“Vai, e muito.”
“Então, qual é o sentido disso?”
“O AMOR!”, disse, levantando e abrindo os braços, como se aquele fosse seu palco.
“Mas vai doer.”
“O amor dói, mas vai te fazer sorrir, e vai te trazer ótimas lembranças... O amor vai te trazer poesia, e ninguém vive sem poesia.”
“Eu vivi até hoje sem amor e sem poesia.”
“Então você não viveu.”

Conversaram mais alguns minutos, era um poeta. Enlouqueceu de amor.

Ao fim da conversa, saíram do parque juntos e caminharam por alguns metros, até que pararam na frente de um hospital psiquiátrico.
“É aqui que eu fico.”, disse o poeta.
“Você realmente enlouqueceu?”
“Enlouqueci de amor.”

Despediu-se e foi levado pelos enfermeiros do hospital para sua ala. Antes de sair do campo de visão, viu o poeta dizer “Viva!”. Outro enfermeiro veio agradecer por ter retornado o paciente ao hospital, passaram a tarde toda procurando por ele.

Saiu do hospital, olhou a flor que recebeu. A flor lhe dizia para viver.


(e amar)

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Semana dos namorados #1

Só uma vez, me beije porque quer
E não porque eu quero.
Só uma vez, diga que me ama
Espontaneamente
E não porque eu disse antes.
Me chame para sair
E não espere que eu chame antes.
Me surpreenda,
Se abra mais.
Diga algo que você gosta em mim
Sem que eu precise perguntar.
Seja espontâneo,
Me chame de "meu amor".
Só uma vez.

Me fale como você se sente,
Sem que eu insista.
Cuide de mim,
Diga que se importa.
Às vezes eu só preciso disso.
Me abrace sem que eu peça,
Sem que eu vá atrás.
Me faça um carinho
Quando estivermos bem e felizes.
Não me faça um carinho
Só quando a gente brigar
(quando eu brigar com você)

Saia da zona de conforto.
Só uma vez,
Diga que me ama
Sem eu ter dito antes.
Me surpreenda,
Mesmo sabendo que eu odeio surpresas.
Amo tudo o que vem de você.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Amélia.

Às vezes até as pessoas mais felizes ficam tristes. E às vezes até as pessoas mais autossuficientes precisam de alguém. Amélia sempre carrega um sorriso no rosto, uma palavra de conforto e um abraço apertado para quem queira ou precise. Sempre tem um elogio pronto, algo como: "Seus olhos são bonitos.”, ou “Seu sorriso é lindo!”, acompanhado de uma risadinha, ou um tom sério demais para que duvidem de suas palavras. Tentava mostrar aos outros que sempre há algo bonito neles, por mais que não se veja. Nunca foi de precisar dos outros, era suficiente por si só, sabia como se cuidar sozinha. Na verdade, sabia se cuidar tão bem, que cuidava não só de si, mas também, dos outros. No entanto, às vezes quem cuida dos outros esquece um pouco de cuidar de si. Esquece de cuidar de si, se dedica demais ao outro, e o efeito dominó é evidente: sente-se abandonada, como se não fosse importante para ninguém. Melancólica.

Amélia sempre tentou ser para os outros o que esperava que fossem para si. Levava a sério alguns posts que via nas redes sociais, dizendo que devemos ser a mudança que queremos ver no mundo. Devemos, em nossos relacionamentos, sermos as pessoas com quem queremos nos relacionar, sejam estes afetivos ou não. Amizades, namoros, casos... Sejam quem você quer que sejam com você, evita decepção. Não crie expectativas. Não espere do outro o que o outro não pode dar. Tente se projetar no outro. Tente perceber o que você recebe em troca, porque às vezes a gente recebe, sim, carinho e afeto, mas não da maneira que a gente espera. Não jogue. As regras são inúmeras, às vezes a gente nem consegue lembrar direito.

Uma vez perguntaram como conseguia fazer tantas surpresas com sucesso, como sempre conseguia dar os melhores presentes, como conseguia fazer todos se sentirem tão bem quando ela está por perto. “Ah, eu só faço pelas outras pessoas o que eu gostaria que fizessem para mim.”, apesar de nunca ter gostado de surpresas. Um dia, refletindo o porquê de não gostar de surpresas, parou para perceber que não é algo que acontece muito em sua vida. Portanto, não saberia como se comportar caso alguém fizesse por ela o que faz pelos outros. Seria arremessada para longe de sua zona de conforto, e nada de bom poderia vir de um mundo fora de sua zona de conforto.

Mas isso não vem ao caso agora. O importante é que se esforçava para fazer qualquer pessoa feliz sem pedir nada em troco. Sabia muito bem que ninguém é obrigado a fazer por ela o que ela faz com tanta dedicação. Fazia porque queria, e isso é óbvio para qualquer pessoa. Talvez pensasse que deve mostrar às pessoas como elas são importantes e especiais porque ninguém sabe quando foi a última vez que alguém ouviu um elogio, algo bonito. Talvez porque não se sabe quando é a última vez que vai se ver alguém. Ou talvez fosse tomada por um sentimento egoísta de tirar satisfação no brilho no olhar do outro, quem sabe? Egoisticamente altruísta. Esperava nada de ninguém. Esperava, apenas, que visse o brilho no olhar do outro, não olhar de gratidão, mas pela epifania repentina de que se é uma pessoa especial. E é importante. Se deleitava em ver o outro sentir que é especial. Nada além disso, nem mesmo um “obrigado”.

Mas até as pessoas felizes ficam tristes, e até as pessoas mais autossuficientes precisam de alguém. Até quem cuida de todo mundo, de vez em quando, precisa de alguém de quem cuidar. Até quem faz os outros se sentirem importantes precisa se sentir assim. E então, em certas manhãs ensolaradas demais, quentes demais, Amélia acordava com um sentimento ruim. Era aquela vozinha que passa boa parte de nossas vidas em silêncio, mas quando resolve falar, fica no fundo do pensamento, te fazendo criar e procriar paranóias. Algo que te diz que você não é importante na vida dos outros. Esse é o problema de ser quem você quer e espera que sejam: sua única decepção é que você não vai encontrar uma pessoa como você. Não vai encontrar alguém que te faça sentir tão importante quanto você merece sentir que é.

Em certas manhãs, tudo o que Amélia quer é sentir que é importante.

Em certas manhãs não adiantava lembrar das frases preferidas de uma série que amava: “Em 900 anos de tempo e espaço, nunca conheci alguém que não fosse importante.”. Em certas manhãs, em raras manhãs, desejava que fizessem por ela o que ela faz pelo outro. Em certas raras manhãs, sonhava que alguém dissesse o quanto ela é importante. Em certas raras manhãs, precisava de motivos. Em certas raras manhãs, queria ser amiga dela mesma.  Mas poderia, não? Amélia poderia ser amiga de si mesma! Começou a escrever cartas e poemas para si, dizia o quanto é importante e o quanto a faz feliz. Agradece por estar sempre lá para ela, por sempre fazer o melhor para que se sentisse bem. Mas em certas raras manhãs, ser amada por si mesma não é o suficiente. 

Em certas raras manhãs gostaria de ser amada pelos outros. Em certas raras manhãs gostaria de ouvir das outras pessoas como ela as faz sentir. Em certas raras manhãs, gostaria que lhe dessem um motivo apenas, qualquer um, pelo qual ela devia achar que é importante na vida de alguém. Em certas raras manhãs queria não parecer tão pequena, tão insignificante, tão desprezível, tão... Dispensável. Em certas raras manhãs precisava que cuidassem dela. Em certas raras manhãs gostaria de não sentir. Em certas raras manhãs quem cuidava de todos gostaria de ser cuidada. Em certas raras manhãs, Amélia acordava carente.

Carente. Almeja o sentimento que causa nos outros.

Em certas raras manhãs, queria que percebessem. Queria que sentissem. Em certas raras manhãs amor próprio não é suficiente para preencher o vazio existencial que surge. Esse vazio que vem e vai com a mesma velocidade. Ninguém sabe como nasce, ninguém sabe quando cresce... O faz em silêncio, rastejando e, quando Amélia menos percebe, ele está lá, pronto para engolir todo o seu ser. Em certas raras manhãs, o dia já começa ruim sem um motivo específico. Em certas raras manhãs, Amélia acorda triste sem nem saber o porquê.

Vazia.
Silenciava.

Em certas raras manhãs quer parar e se esconder. Fugir. Esperar que o sentimento se esvaia aos poucos, até sobrar mais nada. Até que a felicidade substitua qualquer coisa que venha a sentir. Porque ser como Amélia tem suas vantagens. Sabe que nada é para sempre, tudo passa, e normalmente passa mais rápido do que imagina. Tem esperança de que o sentimento vazio passe antes que perceba, e sabe que naquele dia mesmo via se sentir melhor. Tenta viver a vida sob a frase: “Não importa quão ruim seja seu dia, sempre vai haver algo de bom nele.” e, em dias ruins, sempre tentava pensar numa coisa boa que aconteceu, algo bom que viu acontecer, algo que apaziguasse seu coração e lembrasse que tudo passa. A vida surpreendia, e ela se deparava um senhor andando na rua com um buquê de flores bem colorido. Via um casal andando abraçados e sorrindo. Via um neto dando um beijo no avô. E sabia que o dia seguinte viria. Com ele, viria a normalidade e o balanço normal de sua vida. Estaria em seu eixo de novo. Esperou que a manhã passasse, e quis que a tarde a surpreendesse. Mas nesse dia...

Nesse dia não conseguiu ver nada de bom, por menor que fosse. Nesse dia, não aconteceu uma coisinha boa sequer.

(mas a vida continua)

(no dia seguinte)




domingo, 6 de março de 2016

Seje flor, Yassmin

Calma. Tranquila. Paciente. Pacata. Serena. Resiliente. A quantidade de adjetivos que poderiam definir a personalidade de Yassmin está numa lista infindável, mas todos transmitem a mesma ideia: Yassmin está (quase) sempre intocável pelas perturbações cotidianas. Sua definição preferida, no entanto, era aquela que revelava um pouquinho mais sobre sua natureza, algo que não se reduzia à objetividade de uma palavra só: “Recebe tudo o que lhe acontece de braços abertos, com um sorriso no rosto de quem não se perturba com nada.”, muito mais subjetivo, e mais à altura de sua essência. Parecia desleixada, tinha cara e jeito de quem não se importava com nada, até. Mas era apenas uma impressão superficial. Ah, as impressões superficiais e suas trapaças...

(Por diversas vezes, somos todos vítimas das aparências, querendo ou não)

Yassmin se importava. Se importava com muitas coisas e pessoas, para falar a verdade, e apesar de não parecer. Em defesa de Yassmin, ninguém é culpado pelas impressões que os outros tem de nós. Se importava com sua família, com seus amigos, com seu amor, com arte e literatura. Se importava com o caminho que tem a trilhar pelo mundo, com o que tem (e pode) oferecer ao mundo e às pessoas a seu redor. Se importava com tudo, ao mesmo tempo que parecia se importar com nada. Yassmin sentia, e sentia muito. Se importava até demais.

E, por se importar, acabava por se doar demais a quem quer que fosse. Se dava por inteiro, até quase não sobrar nada de quem era para si. Fazia de tudo para agradar, não conseguia dizer não. Acreditava no poder do que fazemos pelas pessoas aqui: tudo o que vai, volta, e é melhor que seja bom. Não era interesse, era bondade genuína. Uma bondade tão pura, tão natural que torna a pessoa mais bonita, uma vez que a bondade verdadeira é uma das características mais bonitas do ser humano. Não era ingênua, mas esperava ser tratada com a mesma doçura e gentileza com que se prestava a tratar os outros, principalmente quando se trata “das pequenas coisas”, essas, mais importantes talvez até do que as “grandes coisas”, visíveis aos olhos de todos.

Um abraço, uma palavra amiga, um chocolate dado de presente sem motivo, uma poesia escrita para ela em razão do seu “desaniversário”. Era apaixonada por Alice. Sim, aquela do País das Maravilhas, e amava todas as pequenas surpresas que faziam nos dias de seu chamado desaniversário, pela simples falta de obrigação de as pessoas lhe fazerem algo para agradar quando não é o dia do aniversário. Não que não amasse o aniversário. Mas o desaniversário era mais legal, mais divertido, mais... Cheio de surpresas. Essa era a natureza dúbia a respeito de Yassmin: esperava muito das pessoas, mas, caso elas não agissem, não se abalaria. Mas esperava que alguém retribuísse todo o seu amor.

Era assim que se decepcionava.
Caía.
Se entristecia.
Esperava demais e ninguém parecia corresponder às suas expectativas.
E não eram expectativas egoístas.

Yassmin queria que as pessoas se abrissem mais, se doassem mais... Não gostava de se usar como exemplo, não... Era humilde demais para fazê-lo, mas, sim. As pessoas deveriam ser mais como Yassmin. As pessoas deveriam aprender com elas a bondade e o altruísmo de se dar a alguém sem esperar nada em troca, ainda que se esperasse. Não por ela, mas pelas pessoas. Progresso da humanidade. Uma deficiência que temos hoje: passamos tanto tempo estressados e perdidos dentro de nossos mundos interiores que acabamos por esquecer o quanto um sorriso pode mudar o dia de alguém. Uma gentileza, por favor!

Agradecia quando o garçom trazia sua comida, desejava um “bom dia” quando entrava nas lojas, perderia tempo tentando ajudar um amigo ou conhecido, não importa se a pessoa só esteja procurando uma nova indicação literária ou se estava passando por um problema sério. Compartilhava poesia e músicas boas no facebook para quebrar um pouco a corrente de ódio das pessoas... Todo dia uma reclamação diferente. O mundo seria mais bonito se nós compartilhássemos mais poesia e amor, não? Seria mais ameno, talvez? Deixaria qualquer programação de sexta à noite para ficar com seus pais em casa assistindo um filme. Ajudava idosos, crianças, não importa a classe social ou cor. Ajudava porque podia, ajudava porque queria. Ajudava porque achava que deveria ser um ser humano decente, e este era o caminho: fazendo boas ações, por menores que sejam, por mais que ninguém descobrisse. Ora, sua intenção não era que descobrissem e a colocassem num pedestal, como se ela fosse um ser extraordinário por fazer algo que todos deveríamos fazer. Ela só estava sendo uma boa pessoa. Ou o que acreditava ser uma boa pessoa.

Mas às vezes se sentia injustiçada. Não é para menos, Yassmin! Alguém que se dá tanto quanto você não pode esperar que os outros a tratem da mesma forma. Foi percebendo que muitos só queriam se apropriar de sua bondade, se aproveitar, que foi se decepcionando. Foi se decepcionando com o modo que a viam, com o modo como acabava sempre tripudiada por alguém. Alguém sempre passava a perna em Yassmin. Alguém chegava e não se importava. Não se importar no mundo de hoje é regra, Yassmin.

Era um “Não quero ver filme com você.” que machucava. Era um momento de estresse descontado em quem não tem nada a ver. Gritos. Palavras agressivas. São as pequenas coisas, né, Yassmin? As pequenas coisas que você tanto ama, que acabam machucando mais, e ninguém parece perceber. Ou, se percebe, não se importa. E você não sabe o que é pior: estar sozinha, ou ser deixada sozinha nessas horas. No fim das contas, não importa. No fim das contas, a decepção é a mesma. No fim, você sempre acaba pensando: “Eu vou desistir. Cansei de me importar.” No fim, você fica com uma convicção apenas: trate os outros como você gostaria de ser tratada, mas nunca espere a mesma forma de tratamento de volta. As pessoas parecem incapazes disso.

Não desista.
Persista e mostre a todos de que você é feita.
Mostre aquilo que você aprendeu desde cedo: o propósito dos humanos na Terra é se tornarem pessoas melhores. Distribua amor, gentileza, paz.
Pois, sinta, Yassmin!
Sinta muito!
Sinta demais.
Sinta por todos aqueles incapazes de sentir.

Yassmin, parafraseando uma de suas frases preferidas:
“Seja como f(l)or.”
E, se assim for,
Permaneça flor.

Por favor.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Na sua cor.

Qual a sua cor preferida?
Tenho para mim que é azul.
Não que azul seja a minha cor preferida.
É roxo, na verdade.
Em todos os seus tons,
Desde lilás
Até aquele roxo quase preto.
O tom muda dependendo do dia,
Do humor,
Do amor.

Mas dessa vez,
A estrela do dia
Ou da noite
É o azul.
Então,
Vamos falar de azul
E de você.
De mim,
De nós?
Não, vamos me deixar um pouco de lado.
Vamos esquecer meu egocentrismo um pouco.
É o azul que me faz lembrar de você.
E ironicamente
Coincidentemente
(ou seria carma?)
O azul está nas minhas coisas
Favoritas.
Minha vida reúne
Uma sucessão de encontros com a cor
Azul.

É a cor do céu,
É a cor que o mar tem
Quando está no ápice de sua beleza.
(não que ele tenha outra cor,
mas às vezes é mais verde do que azul)
E o oceano.
Você já parou para observar
A imensidão azul que é o oceano?
Como é assustadoramente lindo,
E como é puramente aterrorizante,
Com todos os mistérios
Que esconde nos tons azulados
Das suas águas?

Foi a cor das paredes
Do meu quarto
Quando eu tinha seis anos de idade.
E era a cor do alter-ego da Pantera.
Sim, a Pantera Cor de Rosa,
Aquele meu desenho preferido da infância,
Quando eu só jantava
Tomando sopa de milho verde
Se estivesse passando na televisão.
Meu pai já era conhecido na locadora,
De tantas vezes que precisou alugar
O cassete para mim.
E lembra do Castelo Rá-Tim-Bum?
O ratinho de lá era azul.
E era o personagem por quem eu mais esperava.
Meu preferido sempre.

Saindo um pouco da infância,
E evoluindo um pouco para os dias atuais,
Azul também é a cor da TARDIS,
A máquina do tempo que leva o Doctor
(doctor who?)
Pelos mundos, não onde ele quer ir,
Mas sempre onde ele precisava ir.
Para salvar o dia.
Para salvar o meu dia.
E azul é a cor
Que Van Gogh usava
Quando estava feliz.
É a cor dominante nos meus quadros preferidos dele.

Azul é a cor que transmite felicidade,
Que representa a felicidade.
E acalma
Traz calma.
Paz.
Silêncio.
Como um banho de espuma quentinho
À luz de velas,
Ouvindo meu album preferido
(do dia)
E talvez seja uma verdade universalmente conhecida
Que a cor azul
É a cor da paz.
(há quem diga que é branco)
Mas pouco me importa
O que é imposto pela ditadura
Disfarçada de falsa democracia,
De pseudo-livre escolha,
A imposição pintada nas cores
Do livre arbítrio
Das convenções sociais.
Principalmente quando se trata de você e eu.

Principalmente quando se trata
De quem muda o tom das nossas vidas,
Que transforma guerra em paz.
Azul para mim é paz.
É a paz do dia amanhecendo,
No finalzinho da madrugada,
Quando paro o que estou fazendo para
Assistir o céu
E sua festa colorida,
Passar do azul escuro
Para o roxo
E depois para o azul claro
Ao som do canto dos passarinhos
Que me fazem companhia.
Que guardam meus segredos,
Meus pensamentos que vão até você,
Melhor do que ninguém,
E certamente muito melhor que eu mesma.

Azul é paz emocional,
Paz de espírito.
Assim,
Nada mais justo
Que você seja azul para mim.
Você, que se tornou
Uma das minhas pessoas preferidas.
Você, que é paz.
E que me traz paz.
Hoje,
Ignorando a caneta preta,
Pinto este poema de azul,
Esperando que seja
Seu tom preferido de azul.
Esperando que, quando eu te perguntar
"Ei mas qual sua cor preferida?"
Você responda:
"Azul."
Hoje, azul é a cor da saudade.


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Um rápido poema sobre ir e vir e o que está no meio.

Conhecer alguém novo é como se conhecer
Novamente.
É relembrar
E reviver
Aquele sentimento de excitação
Misturado com uma certa insegurança
De se estar lidando com uma pessoa nova.
E também aquela necessidade
De conhecer mais e mais
De explorar
Descobrir
E desvendar.
Aquela excitação de se perguntar
Do que o outro gosta
Do que traz paz
E o que perturba.
E também uma certa vontade
De se mostrar.
De se deixar desvendar.
Toda pessoa é um mistério a ser desvendado,
Um Universo a ser conquistado.
Então desvende.
E desvende-se.
Conquiste e se deixe conquistar.
Esqueça do que pode dar errado.
Entregue-se.
Mas e se o encanto acabar?
O que vai restar
Quando se conhecer
Tudo o que há para saber
Sobre o outro?
A obrigação de se reinventar.
De se renovar.
De vencer o tédio na calmaria de um território conhecido
Ou de aproveitar as certezas.
Nada de desperdício.
Não o jogue fora.
Fique.
Se acostume.

Ou surpreenda-se.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Uma história sobre beleza e atração

(Estava muito quente lá fora)

Acordou com o calor da tarde, tendo o suor em seu pescoço como sua primeira experiência consciente, enquanto abria os olhos para observar o que acreditava ser um dos mais belos fins de tarde que já viu. Um pôr do sol quase cinematográfico, tão perfeito que poderia estar em um sonho. De repente, percebeu que tudo estava maior. As dimensões de seu quarto tomaram medidas gigantescas. Imenso. Monstruosamente grande. Mas não estava desesperada.

(Estava anestesiada, imcapaz de sentir, como às vezes acontece em certos sonhos)

A cama e a televisão estão maiores, assim como os lençóis e travesseiros. Meio bêbada, se perguntou como estava ali: "As coisas ficaram grandes, ou eu que fiquei menor? Eu diminuí? Ou os dois?", mas a busca pela causa não recebe atenção por muito tempo, e acaba dando lugar à curiosidade. Agora que o mundo parece gigante, muito maior do que já era, ela quer explorar, ver como é. Quer descobrir se algo mais mudou. Quer redescobrir, conhecer tudo de novo.

Mas agora, pequena demais para esse mundo absurdamente grande, leva muito tempo para sair de seu quarto e chegar à porta da frente. É mais noite do que dia agora.

É quando ela encontra uma mariposa.
"Você é o animal mais estranho que eu já vi.", é a primeira coisa que a mariposa diz.
"Obrigada, eu acho.", responde.
"E é também o animal mais bonito que eu já vi.", as palavras ditas pela mariposa lhe causam risadas.

(Desde quando mariposas tem um conceito de beleza? Até as mariposas são atingidas pela onda avassaladora que é a eterna busca pela beleza?)
(Aparentemente sim.)

"Obrigada de novo", responde e deixa escapar as palavras que seguem "Você também é bonita. Você é linda.", e jurou que se mariposas pudessem ficar coradas de vergonha, aquela teria corado.
"Você só está dizendo jsso para parecer educada."
"Bem, se você me conhecesse melhor, saberia que eu não elogio as pessoas se eu não achar aquilo de verdade. Elogios por educação são vazios, e eu sempre achei que só deveria dizer algo se eu realmente acreditar naquilo."
"E por que isso?"
"Eu não sei, mas acho que é porque vejo tanto ódio, tantas pessoas dizendo às outras que elas não são bonitas, e elas usam tanto aquela palavra 'feio' tantas vezes... E eu odeio essa palavra pelo efeito que ela tem, que talvez ser sincera quando eu vejo beleza possa reverter um pouco a destruição que essa palavra traz consigo... Lembrar a beleza que existe nesse mundo, ou lembrar que uma pessoa é linda pode iluminar o dia dessa pessoa porque você sabe... Uma palavra de gentileza pode tornar tudo mais fácil, nesse mundo que já é difícil e impiedoso demais, e que às vezes nos faz esquecer de curtir e espalhar a beleza por aí..."
"Você tem razão", disse a mariposa "se eu te conhecesse melhor, eu nunca te diria que você fala as coisas para parecer educada. Você diz as coisas e fica mais bonita ainda. Linda. Eu pensava que isso era impossível."
"Eu não sei nem como responder a isso", falou com um sorriso sem graça.
"Bem, me dê a chance de te conhecer melhor. Deixe eu me apresentar antes, meu nome é Mariposa."
Sorriu diante da ironia de uma mariposa se chamar Mariposa, e respondeu:
"Meu nome é Empatia."
"Empatia, como quando você sente algo que a outra pessoa está sentindo, feliz se ela está feliz, se compadecendo do sofrimento alheio? Como quem se coloca no lugar dos outros?"
"Exatamente."
"Estou impressionado com você." Mariposa diz, fazendo Empatia dar uma risadinha.
"Posso dizer o mesmo a seu respeito", Empatia responde.

(Bem, não é todo dia que você conhece uma mariposa do seu tamanho, que entenda tão bem da concepção do que é ser humano, do que é sentir e apreciar o outro, não é mesmo?)
Sim, Empatia estava encantada.

Observaram a noite por um tempo: a brilhante lua escondida por duas nuvens, e algumas estrelas podiam ser vistas. Mariposa quebra o silêncio:
"O céu é lindo, e você também. Quero te levar para sair comigo."
"Como assim?"
"Um encontro."
A surpresa deixa Empatia muda. E é claro que aquilo não funcionaria entre os dois. Mas algo fez com que ela não dissesse isso em voz alta; admitiu para si mesma que a razão do seu silêncio não era só choque: estava curiosa. Parte dela queria ver como aquilo terminaria, então permaneceu calada.

Empatia sente a mão - ou perna - felpuda de Mariposa, e vê seu rosto refletido nos olhos de Mariposa:
"Eu vou te levar para o lugar mais bonito que eu conheço, porque você merece nada menos que isso."
"E onde é?", Empatia perguntou, ignorando o sentimento de que não deveria fazê-lo.
Em resposta, a cabeça de Mariposa apontou a direção da lâmpada que iluminava a entrada da casa. Empatia não conseguia acreditar na quase cômica ironia de que uma lâmpada acesa era o lugar mais bonito do mundo para alguém. Por outro lado, a luz é, de fato, uma coisa linda, refletiu deixando-se levar por pensamentos como "A luz sempre virá em tempos de escuridão". Então, como poderia negar algo tão sinples quanto aquilo? Como Empatia poderia se recusar a ver a beleza prla perspectiva de Mariposa? Era uma oportunidade incrível, e a única coisa que ela recusaria é a de perder aquela chance.

Subiu em Mariposa, e em alguns segundos já estavam voando. Uma experiência inteiramente nova para Empatia. Ora, isso não era óbvio? Quem mais teria uma oportunidade como essa? Ninguém acreditaria quando ela contasse... Mas nada é perfeito. E quando estavam voando na direção daquela lâmpada, outra luz apareceu: muito mais atraente e, também, infinitamente mais perigosa. Mariposa perdeu o controle, e não conseguia dar ouvidos à voz desesperada de Empatia, que tentava lhe trazer alguma razão:
"Não, Mariposa! Não vá pata aquela luz! É perigoso!"
"Empatia, eu não consigo evitar..."
"Você não pode fazer isso!", Empati gritou a plenos pulmões.
"Eu preciso! É tão linda...", Mariposa diz.

E agora é tarde demais.
Mariposa sucumbiu à atração.
Os dois batem na luz solar inseticida.
E tudo fica preto.

Empatia acorda com a sensação de que está caindo.

(Estava muito quente lá fora)
Está toda suada, e percebe que estava chorando enquanto dormia. A cabeça doía.

É noite lá fora, e ela sente uma estranha necessidade de ver a lua. Dá alguns passos para fora de casa e vê a luz inseticida. Está acesa e já fez sua primeira vítima: uma mariposa. É quando, como se tivesse sido atingida por um trem cheio de lembranças, lembra do seu sonho.
(Ou terá sido uma estranha realidade?)
A mariposa a seus pés parece com aquela que conheceu mais cedo.
Mas precisava ter certeza.

Então Empatia se abaixa, para poder ver melhor, e todas as suas dúvidas e suspeitas foram resolvidas com o calafrio que percorreu sua espinha: é Mariposa.

Por um momento se compadeceu do triste destino de seu companheiro, soltou um suspiro cansado e voltou para dentro de casa.

Que coisa perigosamente linda é amar algo tão intensamente que a simples atração física se torna letal.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Notas sobre Ela

Qualquer dia desses,
Você vai vê-la na rua.
Talvez até esbarrem
Um no outro.
Quando você a vir,
Siga meu conselho:
Atravesse a rua
E nunca mais volte atrás.
Não olhe para trás.
Nunca mais pense nela.

Você vai ver
Um sorriso sarcástico
Nos lábios dela;
E vai ver um certo ar de
Superioridade.
E seus olhos castanhos,
Sábios e agressivamente fortes,
Mãos pequenas e delicadas,
E uma covinha na bochecha esquerda.
Traços que a tornam adorável,
Aparentemente inofensiva,
Ou indefesa,
Mas que escondem
Sua verdadeira natureza.
Venenosa?
Talvez.
Maquiavélica?
Um pouco.
Dominante.
Quiçá, perigosa.
Ela transmite uma doçura única,
Por apenas um segundo.
No instante seguinte,
Volta a ser forte novamente.

Quando a vir,
Atravesse a rua
E nunca olhe para trás.
Não procure saber seu nome,
Nem onde ela mora,
Nem o que a faz feliz,
Nem o significado de suas tatuagens.
Fuja,
Evite,
Corra.
Vá para o outro lado
Da rua.

No primeiro encontro,
Você vai querer
Saber tudo sobre ela
E ela vai deixar.
Ela vai permitir
Que você saiba algumas coisas sobre ela.
Descubra,
Desvende,
Entenda.
E lembre
Que você só vai ver
O que ela permitir.
O jogo é dela,
Ela faz as regras.
E a regra é
Abrir uma pequena janela,
Para que você veja,
Tenha um rápido
Vislumbre
De sua verdadeira essência.
Do Universo inteiro
Que ela guarda
Dentro de si.

Ela vai permitir
Que você a beije.
E, se você estiver com sorte,
Ela mesma vai te beijar.
Isso se ela sentir
Que vai te envolver mais
Na brincadeira perigosa dela.

Ela é uma leoa,
E você é a presa.
Indefeso.
E ela vai te fazer sentir
Como se você estivesse no comando.
Como se todo o plano fosse
Seu.
Na verdade,
O plano é dela desde o início.
Ela e suas artimanhas.

E aos poucos,
A garota ruiva
Com cara de vilã
Dos filmes da Disney,
Vai permitindo
Que você entre no mundo dela.

Ela vai te mostrar
As obras de arte preferidas dela,
E vai fazer questão de explicar
O porquê do amor que ela sente
Por cada uma delas.
Ela vai te fazer ler
Todos os livros preferidos dela,
E assistir todos os filmes
E seriados que ela adora.
Vocês vão transar
Ao som das músicas
Que ela mais gosta,
E toda vez
Toda.
Vez.
Que essas músicas
Tocarem na rádio,
O nome dela vai chegar
Aos seus lábios.
Junto com a lembrança
Da voz fraca dela
Suspirando o seu nome
No seu ouvido,
Enquanto suas mãos
Acariciam o corpo nu dela,
E ela prende mais ainda
As pernas
Em volta de sua cintura.
Talvez você nem consiga
Controlar o sorriso.

A memória dela
Terá o mesmo cheiro
Do suor misturado
Com o perfume
Que ela usava naquela noite.
Exótico.
Único.
Sinestésico.

E quando ela estiver longe,
Você vai sentir vontade
Necessidade
De vê-la.
E vai falar com ela
Sempre que possível.
Mas você não dirá
O quanto sente saudade,
Mesmo que ela saiba
Que você controlou
As palavras que te denunciam.
Recusa.
Limites.
Controle.
Muito bem.
Palmas.

Não deixe que ela perceba
O efeito que tem em você,
O quão envolvido você está.
E não deixe
Que ela se entedie.
Faça (ela) se envolver também.
Torne-se a distração perfeita.
O passatempo perfeito.
Faça o sexo perfeito.
Faça com que ela queira
Te ver
Estar com você.
E esteja com ela.
Faça o tempo dela valer a pena.
Faça (ela) perder o controle.
Controle.
Assuma o controle.
E ela será sua:
Entrega total
E sem limites.
Presa?
Coisa.
Predador.
Sujeito.
Vencedor.

Ela vai cozinhar para você,
E te levar à praia.
Ela vai te fotografar
(nu)
E te mostrar as coisas
Que a deixam em paz.
E vai querer saber
Sobre o que te deixa
Em paz.
Ela vai querer
Ser sua paz.
E vai te dar presentes,
Mesmo quando não for
Seu aniversário,
Cuja data
Ela fingiu esquecer
Para chamar sua atenção.
Um chocolate,
Um cartão com um poema,
Escrito por ela
Só para você.
Um livro,
Um ingresso do cinema,
Ou um quadro...
Ninguém sabe
O que ela é capaz de te dar.
Mas esse é o modo
Como ela tem
De te dizer
Que lembrou
De você.
Aceite e agradeça.
Não desmereça
As pequenas coisas
Que ela,
Pequena maquiavélica
Tem para te oferecer.
Não precisa dar nada em troca.
Talvez seu coração,
Ou todos os sentimentos
Que existem em você.
Dê tudo,
Ou dê nada.

Em seus poemas,
Ela vai te descobrir
Como nunca aconteceu antes.
Dissecado.
Exposto.
Nu.
Ao avesso.

Mas não a leve a mal:
Ela não quer te fazer mau.
Ela te quer livre,
Que você permaneça
Por quanto tempo
Desejar.
Não a leve a mal
Se outros surgirem
Na vida dela.
Tem uma parte dela
Que é só sua,
De mais ninguém.
Mas também
Não estranhe
Se ela quiser

Você.
Tudo pode acontecer
Com ela.

Ela é um oceano,
E você,
Um barquinho.
Torne-se tudo (ou nada)
Que há em um oceano.
Complete (ela).
Não atravesse a rua.
Fique.

Mas lembre
Que todo oceano
Tem suas tempestades
E, se você foi feito
Para a calmaria de um lago,
Desista de se aventurar
Nessas águas,
Por vezes tempestuosas.
Atravesse a rua
E nunca,
Jamais,
Pense nela novamente.
Vá e não olhe para trás.

Porém,
Se seu barco
For forte o suficiente
Para aguentar uma
Tempestadezinha
Ocasional,
Sazonal,
Fique.
Não atravesse a rua
E sente ao lado dela
No ônibus.
Não tenha medo,
Nem receio.
Seja corajoso,
E envolvente.
Faça o oceano te engolir,
Naufrague,
Afogue-se.
E o engula de volta,
Com a mesma ferocidade
E intensidade.
Mantenha o controle e

Não
Atravesse
A
Rua.