domingo, 15 de dezembro de 2019

Guilherme

Seja no circo, na imaginação, no mundo dos sonhos ou na vida real, tem coisa que precisa acontecer. Agora imagine uma apresentação dupla, mas não duas pessoas apresentando a mesma arte. Ele era do ar e ela do fogo. Primeiro entra ele, em silêncio. Sua roupa é verde e a maquiagem azul, quase como o contraponto entre terra e ar, como se ao tirar os pés do chão, pudesse virar parte do ar. Como uma mágica. Em seu rosto, glitter azul, para realçar seus olhos verdes. Lentamente levou a mão na direção da lira. Tocá-la era como um chamado para ela entrar. No segundo em que seu dedo encostou no ferro gelado,

Ela entra.

Veste uma capa vinho e em seu rosto, runas.
Ansuz, Berkana, Raido e Othila.
Luz, Crescimento, Movimento e Conexões.
Significados que não precisavam ser explicados verbalmente, só de olhar as runas, ele entenderia a mensagem. Entenderia a história da jornada deles que os levara até ali. Não precisavam falar toda vez que queriam conversar. Usava uma coroa de galhos, como se fosse um ninho de passarinhos. O cabelo cacheado vermelho solto, balançando ao vento. Pisava firme no chão, parecendo uma anciã. Fogo, ar e terra. Nas mãos dela havia uma vela acesa dentro de um pote de vidro. Ela abaixa e, quando o pote toca o chão… NO MESMO EXATO SEGUNDO, os pés dele sobem ao ar.

Começa a música, “Desperado”.
Lentamente ele inicia seus movimentos e o lugar se ilumina quando a clave dela, que parece um leque, se enche de fogo. Abandona a capa vinho. Sua roupa por baixo é preta. Sempre preta. E assim começa.

“And you ain’t leaving me behind...”
Os movimentos antagônicos dos dois é confortante, como se tivessem sido feitos para isso, Como se tivessem se encontrado para viver aquele momento. Quando o pé dela saía do chão, o corpo dele caía na lira e suas mãos se aproximavam do chão. A dança com fogo dela parecia fazer parte da dança com ar dele e vice-versa. Se completavam à maneira deles. Eu não sabia para quem olhar e não queria perder nem um segundo. Na verdade eu gostaria de poder ver aquilo de novo, de novo e de novo.

Parecia que eu estava sentado vendo aquela dança desde o início dos tempos e que a vida nunca iria acabar. Quantos de mim fui nessa música? Em quantas vidas antes eles já haviam se encontrado? Pareciam ser apenas um, versões diferentes de uma mesma pessoa que já havia vivido demais mas que também não tinha visto nada do mundo. Eles pareciam mensageiros da lembrança de que nessa jornada não estamos sós. Me senti parte deles e os acolhi como uma parte de mim que ainda hei de conhecer.

“But I don’t wanna be alone.”
E termina a música.
Ainda silêncio.
Por que ninguém está aplaudindo, quando todo o meu corpo vibra em resposta ao que estou vendo e sentindo? Faltava algo. Minhas mãos estavam a um segundo de explodir numa palma.

Foi quando ela cuspiu fogo, INCENDIANDO A LIRA, COM ELE LÁ EM CIMA! Ora, que triste maneira de acabar com algo tão bonito, com uma tragédia!

Terra, ar e fogo.

Mas ele não queimou. Ele não se foi, ele não morreu. De onde eu estava conseguia ver seu sorriso. Parecia calmo. E eu sentia, aliás, eu por pouco quase podia sentir sua dor… Só que não doía. O fogo nos acolheu e confortou. Há aconchego no fogo. Então queimamos e renascemos de nossas cinzas que nem chegaram a existir. Intocados. Como mágica. Até hoje não sei se aquilo foi real ou delírio, Mas tem coisa que precisa acontecer. Seja no circo, na imaginação, no mundo dos sonhos ou na vida real.
Precisa acontecer.


(nós iremos acontecer em todos eles)



segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Parece que pra ser mulher, tem que viver na luta.




Tá na barriga e o quarto já é rosa. Já nasce obrigada a usar rosa, mesmo que depois descubra que não gosta. Porque rosa é cor de mulher, né? Rosa é uma cor delicada. É a cor da pureza, da felicidade e do romance. Reza a lenda que, se você fizer cromoterapia com rosa, pode se sentir psicologicamente melhor num ambiente hostil. E ser mulher é isso, né? Ser doutrinada a se sentir melhor num ambiente hostil. O problema é que o mundo todo é naturalmente hostil. E a mulher tem que perdurar. A mulher tem que permanecer. Tem que ser estoica. Tem que abdicar. Tem que sobreviver. Já cresce ouvindo que tem que ser quieta, delicada e SUBMISSA porque se falar demais, é muito “opiniosa” e “nenhum homem vai querer”. Porque é mandona demais. Arrogante demais. Cresce ouvindo que é pra estudar “pra não depender de ninguém e arranjar o namorado que quiser”. Mulher nasce e cresce ouvindo que tem que usar rosa e tem que ser uma rosa. Olhe, pois eu detesto rosa!!! Me processe!

Vocês não percebem o problema dessas falas, né?
E O QUE EU QUERO? NINGUÉM VAI PERGUNTAR NÃO? O QUE EU QUERO É liberdade. Quero ser dona de mim sem que me tornem vilã da minha própria história. Mas ser mulher é isso, né… Nunca sair ilesa. Sobreviver no ambiente hostil pela cor rosa, mas nunca sair ilesa.
Nenhuma mulher sai ilesa de uma denúncia de abuso.
Nenhuma mulher sai ilesa dos holofotes.
Nenhuma mulher sai ilesa de um aborto clandestino.
Nenhuma mulher sai ilesa de ter nascido mulher.
Nenhuma mulher sai ilesa. Nunca.

Então não me dê uma flor no Dia Internacional da Mulher. Todo dia é dia da mulher. Todo dia é dia de luta.


Já parasse pra pensar nisso?

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

À Tragédia

Estou por escrever essa carta há um mês e ainda não sei se devo escrever à Tragédia ou ao Teatro das Cabras. Na verdade, essa carta espera para ser escrita há exatamente um mês, sete dias e algumas horas. Bem preciso, do jeito que peritos gostam. Do jeito que a perita da Tragédia gostaria, né?

Acho que escrevo à Tragédia Mais Insignificante do Mundo, ao Teatro das Cabras e quem mais quiser ler. Se vier, venha na paz. E de coração aberto. Acho que vou começar pelo fim.

O Teatro das Cabras é formado por mulheres. Que coisa linda e forte, não? Que delícia ver outras mulheres parindo suas obras de arte e as colocando no mundo! Chega dá vontade de fazer o mesmo! Chega dá vontade de resistir, de lutar, de eu mesma fazer as minhas criações e deixá-las pelo mundo! Estar ali, aplaudindo um teatro feito por mulheres alimentou aquela fome titânica que carrego por resistir. Por ver outras mulheres resistindo e abrindo seu caminho nessa estrutura patriarcal na qual vivemos… Chega o cansaço vai embora e a faísca se transforma num incêndio. Obrigada, Teatro das Cabras! Tem dias que dá vontade de abandonar tudo e virar artista. O dia em que eu te vi foi um deles.

Ao aplaudir aquela pela, refleti algo importante: precisamos apoiar mais mulheres. Sejam elas artistas, cientistas, professoras, advogadas, escritoras, médicas, QUALQUER PROFISSÃO! Existe muita mulher fazendo um trabalho incrível por aí e a gente nem sabe. Precisamos também apoiar mais quem tá perto da gente. Essa reflexão é quase um apelo, um grito de socorro, UM GRITO DE GUERRA! Precisamos nos desvencilhar de costumes enraizados em nós de não consumir o que é produzido por mulheres. Isso me lembrou um post que vi em algum lugar da internet, sei lá quando, que basicamente dizia que não temos o costume de estudar, ler ou assistir nada que seja feito por mulheres. Reflexão feita, digo logo que o Teatro das Cabras é uma boa forma de quebrar essa construção. Está feito o convite.

E, sim, eu tinha começado pelo fim. Isso foi o que eu refleti enquanto batia palmas para vocês, Teatro das Cabras. E depois também. Quando cheguei em casa, quando conversei com meus amigos sobre o que vocês criaram, quando eu vivi após a morte daquelas cabras. Agora, de volta ao início.

Eu sinceramente não sabia o que esperar, só sabia que ia ser bom. E aí veio o carimbo de cabra. É o ingresso. A pessoa já sente o amor de todas as pessoas que criaram essa peça já na primeira carimbada. Entra, senta em seu lugar, spoilers!

As cabras já estão mortas. Tem uma música tocando, uma música que causa um aperto no peito, a respiração fica mais curta, é uma agonia, é uma escuridão pisando em você, que já tá bem pequenininho… E você já não sabe se elas estão mortas ou não. É uma versão refinada do horror, como se estivessem sendo mortas ali, na sua frente. Talvez estejam mesmo. Mortas as cabras, entra a perita. Um dia comum, um homem matou suas cabras. Ele pode, né? As cabras são dele, afinal. Uma cabra em especial me incomodava: ela estava suspensa por correntes, o que me fez lembrar de Fernanda me dizendo em uma de nossas conversas “Luma, arte às vezes tem que incomodar mesmo”. E incomodava. Mas eram só cabras, não?

O olhar alternava entre a cabra suspensa e a perita. A mente estava focada em entender se as cabras eram realmente cabras. Mas o que seriam se não cabras? Mulheres? Minha mente foi parar em “Os Homens Que Não Amavam As Mulheres”, lido em 2010. À Tragédia Mais Insignificante do Mundo: você me fez viajar no tempo! Minha mente era um jogo de tênis de mesa, juntando minhas vivências com o que a perita refletia em cena. Não dava para não olhar para ela, ao mesmo tempo que não dava para não pensar. Consegui visualizar bem as críticas à masculinidade tóxica intrínseca à nossa sociedade e ao feminicídio. Eu estava convicta de que elas estavam lá, até que toda a convicção me abandonou. E aí voltou. É pra se questionar, mesmo! É pra escutar o que a perita tem a dizer! É pra se deixar levar pela narrativa proposta pela Tragédia.

De repente, fiquei com medo de me tornar uma cabra. Acho que todas as mulheres tem. Todas nós somos cabras em potencial. Somos assassinadas e violadas com tanta frequência que nossas mortes se tornam tragédias insignificantes para o mundo. Apenas mais um dado. Eu gosto de história assim: que esconde mil segredos e reflexões. Eu gosto de histórias que me fazem sentir.

Pronto, aqui está o final do início.
Mas eu nem disse tudo o que eu queria dizer, porque eu gosto é do mistério.




O Teatro das Cabras retorna com "A Tragédia Mais Insignificante do Mundo" nos dias 22 e 23 de Novembro, no Espaço A3 em Natal/RN. O valor do ingresso é de R$ 40,00 (inteira) e 20,00 (meia). Para mais informações, é possível consultar o instagram: @teatrodascabras



terça-feira, 17 de setembro de 2019

Janela do desabrochar

O que faz de você quem você é?
Seus CD's arranhados, livros rasgados,
O LP do Pink Floyd que era do seu pai e você não pode ouvir porque não tem uma vitrola,
Aquele cassete que não pode mais ser exibido,
Aquela carta esquecida numa caixa de lembranças, nunca mais lida,
"Sua lógica torta..."
As tatuagens marcadas em seu corpo, até mesmo aquelas que você ainda não fez...
Aquele *** gasto com um jantar com seus amigos,
Uma palavra doce, uma boa piada,
Aquela banda cujas músicas você não escuta desde a adolescência
Ou aquele filme que você vê ao menos uma vez ao ano...
Os amores frustrados,
As paqueras que se tornaram amigos...
As partes esquecidas de você?
Tudo faz parte de você?
Você já fechou os olhos
E tentou entrar dentro da sua pele?
Já parou para sentir seu sangue correndo em suas veias,
Seus órgãos pulsando, seu coração batendo,
Seus pensamentos reverberando da cabeça aos pés
E sua energia se expandindo para o resto do mundo?
Você já parou para ouvir o seu silêncio,
Quando o único som que sai de você é a sua respiração?
Você pode até quase ouvir o seu coração ecoando dentro de você!
Você já teve sua pele marcada por um toque
A ponto de você às vezes senti-lo novamente, quando ninguém está te olhando?
Já parou para sentir o ar frio da noite encostando na pele dos seus braços
E o calor de uma fogueira em seu rosto?
É tanta informação que os ouvidos ficam com um zumbido,
Quase como gritos cantando em sua cabeça.

Transporte-se para dentro de si e perceba
Quanta vida há dentro de você,
Como o oceano, tão vasto, tão cheio de coisas impossíveis,
Tão... Assustador!

Pare para imaginar qual a cor do seu amor
E quão avassalador pode ser seu ódio.
Todas as suas ações e omissões,
Todos os preços que você já pagou
(TODOS OS PÃES QUE O DIABO AMASSOU E JÁ TE FEZ COMER
Você diria que ele é um bom padeiro?)

A sinestesia do ser, do ter, do crer e sentir.
Tiramos fotos para parar o tempo, congelar memórias.
Para nos transmutar em arte,
Para guardar na memória todas as peles que já vestimos,
Para lembrar de quem fomos quando nos tornamos quem nos tornamos.
Quando tudo o que faz de você quem você é
Se tornar tudo isso e um pouco mais
E celebrar quem se está sendo hoje,
Ainda que a lacuna aberta pelo vazio de quem ainda seremos seja tão assustadora
Quanto encarar um buraco negro em sua mais pura e insana forma.
Hoje você já é muito mais do que acredita ser.
Desabroche.



(obrigada e feliz aniversário, Carol!)






quarta-feira, 4 de setembro de 2019

A Bacurau

Acho que a cada período de tempo surge alguma grande obra que mostre o Nordeste ao resto do mundo. Talvez esses períodos sejam longos ou não, não acho que sou muito boa em determinar a passagem do tempo como as outras pessoas fazem. O que eu posso afirmar é que “Morte e Vida Severina” e “O Auto da Compadecida” fizeram parte da minha vida. Lembro da primeira vez que li “Morte e Vida Severina”, aos 14 anos. Nada fazia sentido, ao passo em que tudo fazia sentido. “O Auto da Compadecida” eu nem consigo me lembrar de ter vivido sem essa obra fazer parte da minha vida. Não lembro de uma época em que a criação de Ariano não corresse em minhas veias. Depois veio “O Santo e a Porca”: “Ai, a crise! Ai, a carestia!”, e aí veio Mad Max.

Mad Max, que não tem nada a ver com o Nordeste brasileiro, até que, em um momento de delírio ou, como eu gosto de chamar “Orgasmo da Gúliver”, surgiu uma ideia para relacionar Mad Max, ao coronelismo no Nordeste brasileiro, usando a água como ponto comum e, a partir disso, entrelaçar Arte, História e Direito, analisando as figuras de poder dos dois universos e, ainda, usando o caráter de vitalidade da água para vê-la pelas lentes das estruturas de poder. Água é vida. E nesse caso, água é poder. Em Mad Max e no Coronelismo, a água deixa de ser um Direito Humano, conforme atestado pela Organização das Nações Unidas para se tornar moeda de poder. Quanto mais água se controla, maior o curral. Isso devia ter sido um artigo científico mas admito que, por falta de vergonha na cara, ainda não o publiquei.

E onde você entra nisso? Essa carta não é para Mad Max, nem para Ariano Suassuna ou para João Cabral de Melo Neto. Essa carta é pra você, Bacurau. Essa carta é pra você, por ter me feito sentir tanta coisa que eu nem lembrava que poderia sentir assistindo um filme. Mas arte é isso, né? Arte é o que nos faz sentir. Arte é o que nos faz refletir. Arte é resistir. E você, Bacurau… Eu não sei como você fez isso, meu bem, mas você conseguiu não apenas superar minhas expectativas quanto ao que eu iria assistir, mas me levou para uma viagem por toda a minha vida. Ah, e que viagem!

Eu ainda estou desnorteada com a carga emocional que você depositou em mim.

Voltei à minha infância, a um lugar chamado Laranjeiras do Abdias, um lugar para onde meu avô que não está mais aqui me levava quando menina. Lá, morava dona Inês, a mãe dele. Minha bisavó. A primeira memória que eu tenho de lá, é de estar num riacho que passava pelo sítio e, quando me dou conta, tinha uma cobra perto de mim (segundo histórias, era comum que animais meio perigosos se aproximassem de mim quando pequena). Ora, não me pergunte que cobra era essa, porque eu não lembro. Mas eu lembro de dona Inês. Ela matou a cobra com uma pedra. Eu a vi como uma super-heroína naquele dia. Consigo lembrar claramente da imagem que minha mente memorizou nesse fia. Outra memória doce era a colcha azul que ficava em cima da cama na qual eu gostava de deitar.

Mas acho que a memória mais marcante que eu tenho de Laranjeiras é de ter visto uma pessoa morta pela primeira vez em minha vida. Lembro de dona Inês, os cabelinhos todos brancos, deitada em cima da mesa, coberta por um lençol tão branco quanto seus cabelos. Não posso dizer com certeza que foi em cima da mesa, porque todos sabemos que a memória é uma criança brincalhona e muitas vezes pode nos pregar peças. Mas lembro de ter perguntado à minha mãe se era ela que estava ali, se estava morta. “É uma boneca, filha.”, mainha me disse, tentando proteger a criança cuja idade podia ser contada nos dedos de uma mão. Eu sabia que ela tinha mentido pro meu bem. Eu sabia que aquilo era um adeus. Mas eu nunca senti esse adeus. Não até hoje. Não até você. Obrigada por isso. Ora, eu era uma criança! Mas eu pude ter acesso à minha ancestralidade. Cruzar hoje com você foi quase uma comunhão espiritual.

Cruzar com você foi tão forte que ainda estou me tremendo, ainda um pouco desnorteada, enquanto te escrevo. 

À medida em que eu te deixava entrar em mim, à medida em que me apaixonava por cada pequeno detalhe seu  (e por Lunga, VOU MENTIR PRA QUÊ?), eu refletia: será que mais uma vez a água vai ser usada como moeda de poder? “Será que esse filme vai ser tipo Mad Max, só que no Nordeste?” e que satisfação a minha ao levar um tapa na cara da resistência! Que delícia! Que empoderador! Quebrar a cara nunca foi tão bom! Que delícia ver a teimosia e a força do Nordestino! A cada minuto que passava, quando eu ia entendendo o que eu estava vendo, eu ficava me perguntando: “O que esse povo fez pra merecer isso?”, mas você tirou minhas dúvidas. O povo de Bacurau resistiu. Me lembrou da resistência do povo de Mossoró ao ataque de Lampião e seu bando.

O povo de Bacurau resistiu, como o Nordeste resiste. Somos os próprios heróis dessa história. Mesmo com tantas “mortes morridas”, Bacurau resistiu. Sempre de orelha em pé, sem baixar a cabeça para um inimigo do povo, um engomadinho ganancioso sedento por poder puro, disfarçado de benfeitor mas pronto pra nos apunhalar pelas costas. Em Bacurau, um forasteiro não governa. Em Bacurau, quem governa é o povo. Quem protege um ao outro é o povo. É Lunga. Lunga, que me despertou a memória da adolescência, que tem um quê de Curupira, o defensor das matas. Lunga é o defensor de Bacurau, assim como todos os outros locais. É Dona Domingas. DONA DOMINGAS, ESSA MULHER QUE EU GOSTARIA DE TER CONHECIDO EM MINHA ADOLESCÊNCIA, essa mulher intrépida e forte. Esse povo destemido! Que retrato lindo que você mostrou ao mundo! Me sinto representada e empoderada. Meu Deus, como estou empoderada!

Mas vou parar por aqui, porque eu não vou te dizer mais nada sobre o que você é, porque você sabe tão bem quanto eu o que você é. Ninguém diz a um nordestino quem ele é, além dele mesmo.



Tem gente que vai dizer que é pantim, mas eu vou te contar uma coisa: você entrou na minha pele e agora corre em meu sangue nordestino. Espero que você possa conquistar o mundo.











domingo, 1 de setembro de 2019

Setembro Amarelo

(observa a fumaça saindo da xícara)
(é chá de camomila)
E o setembro, é amarelo.
O setembro é amarelo como o amarelo de Van Gogh
Amarelo que ele usava quando estava feliz
(nas raras vezes em que experimentou a felicidade real e plena, o amarelo estava lá)
Amarelo dos campos de trigo,
Dos girassóis,
Presente também nos autorretratos,
Cuja ausência de vida e felicidade
Estavam estampadas nos olhos tristes daquele homem
Os autorretratos do artista insaciável e implacável,
Sofrido, internado, intenso, marginalizado.
REJEITADO!
(um pobre demônio, odiado por tantos ignorantes que não entendiam…)
(em minha mente, faço de meus braços seu aconchego)
(volto no tempo para lhe dizer: “Sim, você é amado. Sua arte transcende os tempos e aqui permanecerá até mesmo depois que eu me for.”)
O tiro no peito naquele 27 de Julho
O TIRO QUE CAUSOU DOIS DIAS DE SOFRIMENTO!!!
“A tristeza vai durar para sempre...”
E morreu.
Tanta dor que tirou a própria vida…
Que forte, que intenso…
Uma decisão tão definitiva…
Que digno de reflexão!
Em seu túmulo, girassóis amarelos.


Amarelos como setembro,
setembroamarelomêsdeprevençãoaosuicídio!

O mês dos holofotes dos Digital Influencers,
Aqueles que tem ibope falando verdades genéricas,
Que sentam num trono de caveiras da autoestima alheia,
Ao dizer que devemos nos amar mais.
Como se fosse um passo-a-passo simples de seguir,
Aqueles que abrem o “inbox” para conversar
Mas pelas costas, dizem que Fulano tem “a energia pesada”.
E falam de suicídio,
Como se fosse simples,
Como se não fosse delicado…
Como se não existissem doenças mentais,
COMO SE FOSSE POBREZA DE ESPÍRITO!!
Como se “amor próprio” fosse uma droga vendida em qualquer esquina…
AMOR PRÓPRIO VIROU RECEITA DE BOLO AGORA, FOI?
FALA DE PREVENIR SUICÍDIO
SÓ FALA DE AMOR PRÓPRIO
E AINDA ESQUECE DAS DOENÇAS MENTAIS
PORQUE DOENÇA MENTAL HOJE EM DIA É TABU
Mas você precisa se amar mais…

DIGA COMO!
ME FALE, Ó GRANDE GURU DA AUTOESTIMA
DIGA COMO ME OLHAR NO ESPELHO E GOSTAR DO QUE VEJO
DIGA COMO NÃO ME SENTIR REPUGNANTE
DIGA COMO ESQUECER AQUELA BESTEIRA QUE FALEI HÁ CINCO ANOS!
DIGA COMO ARRUMAR FORÇAS PARA LEVANTAR DA CAMA!
DIGA COMO! EU INSISTO!
Diga como… Como eu consigo fazer uma atividade cotidiana, a mais básica… Sem que minhas energias acabem completamente…
QUANDO MAL POSSO PRESTAR ATENÇÃO AO MUNDO EM MEIO A TANTOS GRITOS DA MINHA CABEÇA
QUANDO RESPIRAR É DIFÍCIL
PORQUE MEUS PENSAMENTOS RUDES
SÃO
ALTOS
DEMAIS
E OS SENTIMENTOS HOSTIS TORNAM O DESERTO DA MINHA MENTE UM LUGAR INÓSPITO
(o deserto amarelo como o setembro)
ONDE NEM FLOR NASCE!
NEM MESMO UMA ERVA DANINHA?

(estou cansada…
Recolho-me, deito em posição fetal)
Minha cabeça não descansa,
Meus olhos não páram…
As cores não são mais vívidas,
Nem mesmo o amarelo do setembro!
(e penso em desistir, em me machucar, afinal o mundo provavelmente será melhor sem mim)

VIVO SUFOCADA,
Pressa no pesar da minha própria existência
E dói, e pesa…
E me canso do peso de quem sou
Quero sair de mim!
Mas é claro que não consigo…
(suspira, deixa seu peso cair no sofá)
Preciso me amar,
Não posso ser outra pessoa, afinal.
Não tenho outra escolha.
Ceder à morte, nunca.

Na rádio, ouço pela segunda vez ao dia “Hey Jude” tocar…
“You don’t have to carry the weight of the world on your shoulder...”
Nem ele, nem eu, nem ninguém.
Considero isso um sinal do Universo,
Para viver um dia de cada vez,
Tentar aprender a me amar,
Um passo de cada vez,
Uma pequena (ou grande) felicidade de cada vez,
Plantando um girassol em cada passo de meu trajeto,
Respiro!
Uma vitória por vez.
Calando as caraminholas da minha cabeça pouco a pouco…

Ah, o chá esfriou…
Agora posso bebê-lo.
Talvez a camomila me acalme…
Engraçado que camomila é amarelo, né.
Amarelo, Virgínia.
Que nem setembro amarelo.

(mas todo dia é dia de lutar
contra os vilões dentro de nós)

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Canto

Rosto, orelha (sangrenta, arrancada, cortada pela metade), entra pelo ouvido,
O som doce dos trombones de frutas do circo tocando em minha cabeça,
Dentro de mim, tocando meu coração,
Nessa cantiga de grilo
Como um chamado,
Um canto de sereia, me atraindo de volta,
Ao qual minha alma responde,
Clamando de volta,
Como se detro de mim houvesse um templo
INDESTRUTÍVEL!
Onde vivem e entoam um mantra,
As mongesmonjasmulheresfemininasfemininjasanciãsancestraisacrobataspalhaçaspirofágicas
PIROMANCER!
Recitam um canto mandando-me de volta para casa.
Nem toda saudade tem que ser azeda
A saudade do circo é doce.
Daqui a pouco não mais será saudade.
Daqui a pouco, a saudade estará morta e enterrada
E o coro do meu coração, junto com os trombones do circo será a música mais linda já tocada.
O coração estará em casa.
A saudade estará morta
E eu estarei de volta ao lar.
(voando e queimando)
(despida e selvagem)

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Ao Homem que Matou Dom Quixote

Ao Homem que Matou Dom Quixote.

Quase 30 anos para ficar pronto e, no início eu não sabia se estava gostando de você. Eu realmente estava em dúvida porque, acostumada a ver Adam Driver em outros tipos de papel, inicialmente não consegui entender o porquê de um homem que simplesmente “tinha tudo” estava em crise. Mas isso foi rápido, só até a parte da artista (se é que assim posso chamar) dentro de mim se encher de empatia pelo artista frustrado com seu bloqueio criativo. Toby é só mais um rapaz perdido que se vendeu à indústria cinematográfica e deixou de lado o que ele mais amava fazer, não? Toby é ganancioso, arrogante e egoísta mas também é um artista em crise. Isso mesmo, a parte do “artista em crise” foi o que me “desarmou”.

É o lado desse artista, curioso por reencontrar sua essência, que faz com que Toby acabe reencontrando amigos do passado. Alguns deles, na verdade, são mais como fantasmas. O lugar de Sancho Pança está vago mas Dom Quixote está por aí. Dulcineia também. No momento em que Toby descobre que esses velhos amigos estão em algum lugar, eu já estava curiosa para saber mais. Eu já queria mais. Ao abrir as portas do restaurante de Raul, Toby abre, também, as portas para uma viagem ao seu passado, que acaba se mesclando com o presente, numa sinfonia que une delírio e verdade, como aquelas canções cantadas pelos bardos.

Em certo momento passei a questionar o que era realidade e o que era sonho, o que me fez lembrar de “O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus”. Eventualmente descobri que vocês dois foram dirigidos pelo Terry Gilliam, o que acabou me explicando o porquê da semelhança. Esse seu clima que faz o mundo real dialogar com o imaginário, com o sonhar, me deixou encantada, porque me fez sentir! Me fez sentir parte do filme, me fez sentir carinho por esse bravo cavaleiro que é Dom Quixote, ESTE HOMEM INCRÍVEL que, ao mesmo tempo em que é um tanto assustador é, ao mesmo tempo, fascinante. Só a imagem de Dom Quixote já nos faz querer viver uma aventura com ele e Jonathan Pryce, como já era de se esperar, faz isso de uma forma bela!

Há muito mais de você para além do que vemos na telona. É possível refletir para muito além de apenas um antigo sapateiro que ficou meio biruta e acreditou ser o próprio Dom Quixote.

A trajetória de Toby, ou melhor de Sancho, no faz refletir sobre como o tempo influencia tudo, como o tempo é uma força natural da qual ninguém escapa. Me fez pensar em quem passa por nossa vida e amamos, quase amamos, não conseguimos amar e acabamos por esquecer. Me faz pensar na possibilidade do que é um reencontro. Me faz pensar, também, que o tempo não só age nas outras pessoas mas, também, em nós mesmos, e em como devemos aproveitar a vida pra crescermos. Como podemos aproveitar nossas lições para nos tornarmos maiores.

O quanto podemos crescer ou extrair bons frutos de uma situação na qual não gostaríamos de estar metidos, além de esta situação ser simplesmente absurda? Toby me fez rir quando não conseguia conceber o que estava acontecendo ali, ou quando estava estressado, xingando, querendo voltar para sua vida antiga e não estar preso numa aventura na qual caiu de pára quedas por causa de um velho maluco e um cigano com aparições aleatórias. Mas esse fiel escudeiro Sancho também me fez me encher de carinho quando observei seu crescimento.

Você foi um filme que permitiu um casamento de sucesso entre o visual e a trilha sonora que, por vezes, era tão sutil, que nem percebíamos que estava lá mas, em outros momentos, era tão gritante e imponente, que parecia dominar a sala do cinema. Você foi um filme que me permitiu pensar e sentir e me fez acreditar que todos temos um cavaleiro meio maluco porém fascinante dentro de cada um de nós, capazes de cumprir qualquer grande feito que queiramos. Dom Quixote talvez seja um estado de espírito. Por vezes você foi meio confuso, mas quem não ficaria, tendo que contar a história delirante deste cavaleiro? Acho que talvez até esta carta esteja meio confusa… Mas saiba que você foi ótimo. E saiba que você me emocionou, principalmente quando li as seguintes palavras: “In loving memory of: John Hurt.”. Ele estaria orgulhoso.

Você foi lindo!
Até a próxima, já que certamente nos veremos de novo... 

(não me surpreende ter sido aplaudido de pé por vários minutos no festival de Cannes ano passado. Eu mesma teria feito isso!)

domingo, 19 de maio de 2019

A Game of Thrones

Querida Game of Thrones,

Acabou, né? Depois de oito anos… Acabou. Lembro da primeira vez que vi a propaganda, um corvo de três olhos voando, também tinha fogo no meio. Fiquei hipnotizada e curiosa. Você me conquistou antes mesmo de seu primeiro episódio. Comprei o primeiro livro e o devorei em meio às aulas da faculdade, enquanto assistia aos episódios toda segunda, porque precisava esperar que o episódio saísse legendado para download. Falar sobre você era como um território inexplorado, porque poucas pessoas te assistiam, então, quando alguns amigos e conhecidos vinham me perguntar sobre, eu me esforçava para convencê-los de que você valia a pena e, quando eles começavam, eu sempre perguntava: “Quem é seu personagem preferido?” e a maioria das pessoas dizia: “Ned Stark.”, e eu ria, como se soubesse de um segredo muito importante, porque, bem… Todos nós sabemos o que aconteceu com Ned.

Na sua primeira temporada eu me choquei com a capacidade de um homem jogar uma criança que gostava de escalar do alto de uma torre; me estressei com Sansa, afinal, como ela podia ser tão boba e iludida? Mas eu também vibrei com Arya e seu professor de dança, treinando e lutando. E os lobos… Ah, como eu amava os lobos! Eu mesma queria ter um. Eu também queria ter um namoradinho como Robb Stark, até que ele… Perdeu a cabeça. Eu queria ter festejado com os Baratheon, até que eu percebi que os Martell devem dar festas mais legais. Eu me apaixonei perdidamente por Tyrion Lannister por sua inteligência e por sua fala de livros serem as espadas das mentes, algo assim. Eu queria tatuar isso no meu corpo. Me apaixonei também pela relação dele com Bronn. E também pela relação dele com Jaime, apesar de Jaime ser desprezível (mas não mais que seu filho-sobrinho Joffrey, convenhamos). Sobre Catelyn (Tully) Stark, eu tinha sentimentos divididos porque não gostava de como ela tratava Jon, apesar de entender seu lado. E aí eu vi Daenerys Targaryen. Uma menina que não sabia contar até vinte entrou no fogo depois de perder tudo o que tinha e sair dele com três dragões. Ainda estou digerindo seu fim e tentando entender como me sinto sobre isso. Mas o que Daenerys representa não é pouco. No fim, em sua última cena, eu olhava pra ela e via seu irmão, Viserys Targaryen que, inclusive, teve uma morte deliciosa de assistir: "Uma coroa para um Rei!".

Com o andar da carruagem, me deparei com Ser Barristan Selmy, Ser Jorah Mormont (que morreram por sua Rainha), Ser Davos (o maior sobrevivente da Batalha da Água Negra) e Meistre Aemon. Todos terão um lugar especial em meu coração, pela sabedoria e pela coragem. Depois conheci Oberyn Martell, que se tornou o meu preferido. Sua morte é a única que não consigo reassistir até hoje. Vi Sansa crescendo aos poucos, passando até por coisas que não estavam nos livros (que não vou mentir que detestei ter visto porque achei desnecessário) e a vi desabrochar numa Rainha justa e preocupada com seu povo, como ela nasceu para ser. Vi Arya conhecer Jaqen H’ghar e começar a olhar Gendry de outra forma, até que eles se separaram e ela continuou. Arya continuou e aprendeu. Se tornou uma das, quiçá a maior de todas, Faceless Men, a mulher mais letal de toda Westeros. Sempre que eu olhava para seu futuro não a queria morta, porque Arya é mais… É muito mais! E Westeros era pequeno demais para ela, afinal, ela já tinha matado o Rei da Noite... Eu amo tudo quanto à trajetória dela e ficaria devastada se eu visse isso jogado fora. Fiquei feliz por como elas terminaram.

Agora uma coisa que me deixou indecisa foi a explosão do septo: me pareceu um pouco lazy writing, como se quisessem se livrar de muitos personagens de uma vez só, e me doeu não ver Margaery como “A” Rainha, que ela tanto quis ser (acho que meu coração queria que todas tivessem sido rainhas). Mas por outro lado, eu achei genial ver Cersei como a estrategista que ela sempre foi. Uma mulher inteligente, ambiciosa e que faria qualquer coisa por seus filhos. Seu único defeito foi ter nascido mulher, né? Afinal, essas características vistas em homens é algo louvável. Mas Cersei não… Até que ela virou Rainha Regente e cometeu algumas coisas que realmente são imperdoáveis. Mas o seu fim… Eu esperava mais. Eu esperava tão mais! Eu esperava algo muito maior, tipo quando ela precisou andar nua pelas ruas de toda King’s Landing, humilhada e expondo sua “vergonha” a todos. Eu esperava um fim mais digno a uma das personagens mais consistentes dessa história.


E por falar no fim de Cersei… E o de Jaime, que eu tô esperando até agora que ele ia ser o irmão de Cersei a matá-la, como na profecia? Ele disse a Brienne: “Cersei é abominável. Eu também sou.”, e fiquei esperando que ele finalmente criasse a coragem para dar cabo da mulher que amava, mas não… Senti que todo o seu crescimento, toda a imagem de Regicida sem escrúpulos, o espectro que o acompanhou durante anos, todos os fantasmas de seu passado foram desperdiçados por um momento de puro egoísmo, de retornar ao Jaime do início da série para morrer com a mulher que amava. Ao menos finalmente Jaime pode descansar.

Eu sempre dizia às pessoas: “O que eu mais gosto dos personagens de Game of Thrones é que a maioria deles não é só boa ou só ruim. O bem e o mal dialoga dentro deles, e é isso o que eu amo na série.”, e Cersei era a imagem que me vinha à mente quando eu dizia isso. Littlefinger também, mas mais do que isso eu o achava um parasita ganancioso, e eu amei a forma como Arya o matou. Outro personagem ganancioso era Tywin Lannister, mas ah, como eu comemorei quando o vi morrendo enquanto cagava. Sinto vontade de rir até hoje. Quem entrou nessa lista de personagens dúbios foi Jon Snow, que finalmente (FINALMENTE!) descobriu quem foi sua mãe e agora vai precisar viver os seus dias sabendo que matou não apenas a mulher que amava mas, também, sua rainha, que jurou apoiar. Conhecendo seus traços e raízes Stark, acho que isso vai doer muito. Ele voltou pra onde eu acho seu coração ficou, com os selvagens, e eu gostei disso.

Inesperado mesmo foi ver quem viria a sentar no (não mais existente) trono de ferro. O que não me surpreendeu foi que o homem mais inteligente dos Sete Reinos fosse a Mão. Aquele Tyrion que, com dez minutos de fala, conseguiria ter colocado todo o Reino no bolso, só porque ele pode. Aquele Tyrion de quem senti falta por umas duas ou três temporadas. Aquele Tyrion que, se utilizando do discurso, convenceu uma corja inteira de nobres de quem deveria ser o rei. Ah, como foi bom poder ver essa parte dele antes do fim! Como foi delicioso ver o mesmo Tyrion que salvou a (INESQUECÍVEL E ÉPICA) Batalha da Água Negra, o mesmo Tyrion que, em seu julgamento por supostamente (obrigada Olenna Tyrell por isso) ter assassinado o crápula do Joffrey, fez o discurso mais arrepiante de que me lembro em toda a série! Obrigada por isso, Game of Thrones!

Obrigada, também, pelo fim de Sam Tarly (sinto que ele foi preparado para isso durante toda a série) e Brienne de Tarth (admito que parte de mim queria que ela ficasse com Tormund). Mas não agradecerei pelo reencontro do Cão de Caça com A Montanha, mas devo admitir que gostei de ver Arya dizendo “Sandor” pela primeira e última vez. Era uma relação que me deixava curiosa. Eu gostava de assistir. Eu também gostava de ver Olenna Tyrell, uma mulher incrível e inspiradora. Mas eu não gostei do que fizeram com o arco de Dorne depois da morte de Oberyn. A série poderia ter sido tão mais grandiosa se tivesse seguido os livros nesse arco… 

Fui seduzida pelo charme de Daario Naharis e tive o coração aquecido pelo amor que surgiu entre Missandei e Verme Cinzento. Chorei quando Missandei morreu de forma tão brutal, mas até agora sinto sua última palavra afundando dentro de mim. Como aquele "Dracarys" foi simbólico, né? Como aquela última mensagem de "Lembre que você veio aqui tomar tudo por fogo e sangue, então o faça por mim e por todas as correntes que você já quebrou." foi embutida em uma só palavra... E, não, não vou falar sobre os dragões porque dois deles mortos foi demais pro meu coração. 

Você me deu muitos personagens para amar, como Tormund, Arya, Tyrion e Oberyn, que eram meus preferidos. Me deu também alguns personagens que eu amei odiar, como Cersei, Theon Greyjoy (que finalmente conseguiu o reconhecimento com o qual tanto sonhou) Littlefinger e Varys (ainda estou triste por sua morte). E como nem tudo são flores, me deu personagens para odiar mais que tudo, como Ramsay Bolton e Walder Frey, duas mortes que eu nunca esquecerei. E por falar em morte e em Freys, e o Casamento Vermelho? Até hoje espero que a Lady Stoneheart apareça na série. Mas ao longo da série entendi que eu deveria me desprender de conceitos do livro, caso quisesse conseguir curtir o que me estava sendo oferecido.

Eu amei aquela última referência, do livro escrito intitulado "As Crônicas de Gelo e Fogo" mesmo que não tenham mencionado Tyrion, o que eu achei um absurdo! Mas gostei por ter dado um tom de veracidade à história. Fez sentir que ela realmente aconteceu... E quem me dirá e irá provar que não aconteceu, não é? Nunca vou esquecer a sua trilha sonora, sei que vou reconhecer “The Rains of Castamere” em qualquer lugar, nem vou esquecer a estética impecável dos últimos episódios dessa temporada. Mas o que eu nunca vou esquecer mesmo é o quanto você me fez sentir. Vivemos aventuras incríveis e inesquecíveis juntos. Obrigada por todos esses anos. Me despeço de você como quem se despede de um grande amor por quem ainda sinto um apreço sem igual (mas talvez não ame mais, a dúvida ainda paira em meu coração) e abro os braços para acolher os livros, se é que um dia serão publicados. Acho que, no fim, talvez estivesse todo mundo meio cansado, afinal, oito anos... Tem casamento que dura menos que isso.

Você foi memorável, apesar dos pesares.

(A única coisa que fico me perguntando até agora é: se Bran pode ver tudo, por que ele ainda não encontrou Drogon?)

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Escritos sobre a ansiedade

Às vezes é como se eu estivesse presa
Dentro da minha cabeça.
Vagueando por um labirinto, sem perspectiva de sair.
Encosto a mão na parede deste labirinto mental
Ao passo que lavo minhas mãos trêmulas,
Tentando não prestar atenção ao banheiro
Que diminui de tamanho a cada segundo que passa.

(há quanto tempo eu não era visitada por essa velha conhecida
que nunca traz boas notícias?)

Sinto o cheiro do sabonete em minhas mãos,
É quase nada.
Tento sentir o frio da água tocando minha pele,
Fingindo que estou no oceano gelado que consumiu o Titanic,
Me agarrando a qualquer fio de sentir
Para não ser engolida pelas minhocas gigantes em meu cérebro.
Fecho os olhos,
Respiro fundo.
Os olhos estão inchados
E tudo o que há em meu redor parece uma ilusão.
O banheiro, cada vez menor
Como se eu fosse Alice no País das Maravilhas,
Só que já na parte do pesadelo.
Como se eu fosse Danny Torrance fugindo naquele frio
No labirinto do Overlook.
A ansiedade me persegue empunhando um machado.

Se eu conseguir segurar o meu fogo o suficiente,
Talvez eu consiga matá-la de frio?
Mas nesse caso, frio é bom... É bom, sim.
Significa que estou sentindo algo,
Que ainda estou aqui.
Que não me perdi nem me entreguei a nenhum delírio insano
A nenhuma peça pregada por este monstrinho infame.

Em minha barriga, sinto uma fome distante,
Como um vizinho de três andares que toca violino,
Ao passo que um buraco negro consome tudo por dentro,
Com a força voraz de um titã.
Preocupações por problemas que nem são meus,
Memórias e traumas cujas vozes ainda tentam me perturbar,
Cantam uma melodia de terror em minha mente.
Sacudo a cabeça para afastar meus demônios
VÃO TODOS PARA LONGE DE MIM!!!!!

Conto até dez.
Sinto meu corpo cansado,
Meus olhos quase fechando a qualquer momento.
Já está passando, não vou chorar.
Não dessa vez.

Há dias que a ansiedade me pega,
Me amarra e monta em mim.
Mas me atenho ao reconfortante som da caneta
Riscando esse papel,
Me lembrando das sábias e reconfortantes palavras
De poetisas que vieram antes de mim:
“Tudo passa.”
“Ainda assim me reergo.”
Deixo essas palavras marcadas em mim,
Tatuadas em meu ser,
Para eu nunca esquecer.

Saio do banheiro,
Bebo água.
Percebo que a garganta estava seca há muito tempo.
Sinto o calor voltando para mim.
Em uns dias, deixo minha cabeça me dominar.
Mas isso não me torna fraca.
Em alguns raros e poucos dias, sou prisioneira
Mas em outros dias, a ansiedade está presa,
Numa jaula bem pequenininha,
Pra ela lembrar que não me domina,
Que não é dona de mim.
Pra ela lembrar que não é nada
No meio do grande Universo que carrego dentro de mim.
Eu sou dona de mim.

(acho que já escrevi isso antes)